Certa vez me perguntaram por que o Raiz Coral, sendo um grupo brasileiro, faz música de tradição tão americanizada.
Uma das respostas para esse paradoxo está no fato de que, no Brasil, as músicas de cultos de raiz africana estão nas origens do samba. E de samba, como se sabe, só não gosta quem é ruim da cabeça ou doente do pé. Ou então evangélico, já que o samba, entre outros motivos, por sua intensa relação com os festejos seculares, não foi integrado aos cultos protestantes.
Nos Estados Unidos, as religiões de matriz africana não têm representatividade nas músicas seculares. Nem na black music se ouvem nomes de divindades de cultos africanos. Assim, se a música afro-brasileira é "mundana" demais, a saída é a música afro-americana com origens no gospel.
O Raiz Coral também representa um dilema: para uns, é um coral gospel que usa o idioma musical que o mundo entende; para outros, é um coral mundano que usa o idioma gospel.
Esse dilema não é novo. No século 19, o compositor brasileiro Carlos Gomes pedia que Deus o livrasse de usar a linguagem da ópera para cantar temas cristãos. Já Giuseppe Verdi, seu colega de profissão italiano, dizia que para falar de Deus era preciso usar a língua musical dos homens.
Acontece que muita gente está dando cada vez mais valor à performance vocal e gestual dos cantores. Letra, melodia e harmonia recebem menor atenção. Importa a sensação causada pela interpretação. A apresentação no Raiz Coral no programa "Qual é Seu Talento?"(QST) é sintomática: a canção (Eu deixo a tristeza para me alegrar) era bem simples, os arranjos vocais nada tinham de excepcionais e sua letra se refere mais à sensação de pular, dançar e gritar em nome da "glória do Senhor neste lugar".
Não quero dizer que seja errado prestar atenção no modo de cantar de alguém. Nós vamos a concertos exatamente porque queremos ver e ouvir os cantores cristãos de nossa preferência, senão ficaríamos em casa escutando só os CDs deles. Não estou dizendo que canções e arranjos não podem ser simples ou que o calor da emoção deve ser banido. Na verdade, grande parte da música protestante é memorável justamente por sua simplicidade e pelo grau de emocionalidade. Além disso, o Raiz Coral participava de um concurso que valoriza justamente a performance cênica e vocal.
Também não pretendo discutir se a apresentação do Raiz Coral "foi o testemunho da nossa salvação", como disse um fã. Deixo isso para os admiradores e críticos mais exaltados (os comentários dos vídeos no YouTube e no Twitter falam por si).
O que quero dizer é que o Raiz Coral, e qualquer outro grupo ligado à música cristã, precisa sempre fazer a pergunta: quando o talento é inegável, qual deve ser o idioma musical? Quando se participa de um concurso, qual é a linguagem mais adequada?
A participação do coral, segundo estão dizendo na internet, foi editada. O coral cantou uma música a capella (Eu avistei) que teria impressionado os jurados do programa. Como estão classificados para a próxima etapa, os cantores terão uma segunda oportunidade para mostrar o idioma que dominam.
A apresentação do coral no QST você assiste aqui.
A participação do coral, segundo estão dizendo na internet, foi editada. O coral cantou uma música a capella (Eu avistei) que teria impressionado os jurados do programa. Como estão classificados para a próxima etapa, os cantores terão uma segunda oportunidade para mostrar o idioma que dominam.
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