Há tempos que não escrevo novas Fábulas Menores de Moral Mínima, embora o ambiente esteja inspirador. Mas é que até o Chávez anda se comportando direitinho... ou esquerdinho.
O homenageado da vez é John Cage, o compositor que libertou a música das amarras da partitura com sua obra 4'33 (uma peça em que os músicos entram no palco, abrem as partituras e não tocam nada por 4 minutos e 33 segundos - o som ficaria por conta da reação da platéia ao silêncio). Mas ele também transformou a experiência musical em mero happening, aquele tipo de evento que acha que a banalidade é genial.
COMO ENCHER UM SILÊNCIO SELVAGEM
Os músicos entram, se sentam, abrem as partituras e... Após os 4 minutos e 33 segundos de silêncio naquela sala de concerto, um distinto cavalheiro, temendo romper o clima pós-moderno, cochicha num discreto tom menor:
- É bonitinho! Mas é arte?
Um mancebo de penteado dodecafônico e cacófato perfume, que nunca tinha ficado calado por 4 minutos e 33 segundos na vida, se exalta glorioso como num finale beethoveniano:
- Repete isso, que eu duvido!
- Não repito nada porque eu não falo em ritornello, mauricinho vanguardista!
Ao ouvirem a palavra “vanguarda”, duas veneráveis assinantes de carnês de concerto agarram-se uma a outra esperando o pior, esperando Godot ou simplesmente esperando, esperando, esperando...
No ato, uma garota se levanta dizendo que tinha feito o curso de formação de platéia e que aquela algazarra toda não era comportamento de gente civilizada e que paga doze reais a hora do estacionamento.
- Tire ao menos o fone do iPod dos ouvidos, minha filha – avisam à moça queixosa.
- Só tiro quando o concerto começar.
Nesse instante, todos os olhares se voltam para a moçoila dos fones. São olhares cruéis, mais cruéis do que aqueles olhares dirigidos violentamente a quem aplaude entre os movimentos de uma sinfonia.
Tentando salvar a moça, um senhor de idade e meia:
- Já fui moço e agora sou velho. Mas se era pra ouvir o som do silêncio num concerto antes tocassem The sound of silence, de Simon e Garfunkel.
- Senil e gentil homem, você não sabe o que é arte. Arte não é para entender. O silêncio é um manifesto contra os ditames da massa sonora estupidificante que alicerça a corporalidade pós-orgânica contemporânea inserida na contextualização disfórica das mutações sócio-culturais da pólis.
Ao ouvirem tantos polissílabos de uma só vez, as duas veneráveis assinantes de carnês de concertos agarram-se uma a outra esperando...
- Meu senhor, dou um boi pra ter silêncio, mas dou uma boiada pra não sair de uma discussão sobre estética.
- Cai dentro.
A confusão é total, a baderna come solta, o violoncelista aproveita e sai correndo pra casa a fim de assistir o episódio de Lost que esquecera de deixar gravando. Logo irrompem nas salas dois seguranças estupefatos.
- Que discussão é essa? – pergunta o estupefato segurança A.
- É porque você não entende o que é arte. Arte não é para entender. O silêncio é um manifesto contra os ditames...
O estupefato B não consegue completar a frase do folder do concerto que já tinha decorado porque é atingido pelo próprio companheiro iletrado.
Moral mínima da fábula menor: “O silêncio vale ouro, mas a ideologia estética não tem preço”.
- É bonitinho! Mas é arte?
Um mancebo de penteado dodecafônico e cacófato perfume, que nunca tinha ficado calado por 4 minutos e 33 segundos na vida, se exalta glorioso como num finale beethoveniano:
- Repete isso, que eu duvido!
- Não repito nada porque eu não falo em ritornello, mauricinho vanguardista!
Ao ouvirem a palavra “vanguarda”, duas veneráveis assinantes de carnês de concerto agarram-se uma a outra esperando o pior, esperando Godot ou simplesmente esperando, esperando, esperando...
No ato, uma garota se levanta dizendo que tinha feito o curso de formação de platéia e que aquela algazarra toda não era comportamento de gente civilizada e que paga doze reais a hora do estacionamento.
- Tire ao menos o fone do iPod dos ouvidos, minha filha – avisam à moça queixosa.
- Só tiro quando o concerto começar.
Nesse instante, todos os olhares se voltam para a moçoila dos fones. São olhares cruéis, mais cruéis do que aqueles olhares dirigidos violentamente a quem aplaude entre os movimentos de uma sinfonia.
Tentando salvar a moça, um senhor de idade e meia:
- Já fui moço e agora sou velho. Mas se era pra ouvir o som do silêncio num concerto antes tocassem The sound of silence, de Simon e Garfunkel.
- Senil e gentil homem, você não sabe o que é arte. Arte não é para entender. O silêncio é um manifesto contra os ditames da massa sonora estupidificante que alicerça a corporalidade pós-orgânica contemporânea inserida na contextualização disfórica das mutações sócio-culturais da pólis.
Ao ouvirem tantos polissílabos de uma só vez, as duas veneráveis assinantes de carnês de concertos agarram-se uma a outra esperando...
- Meu senhor, dou um boi pra ter silêncio, mas dou uma boiada pra não sair de uma discussão sobre estética.
- Cai dentro.
A confusão é total, a baderna come solta, o violoncelista aproveita e sai correndo pra casa a fim de assistir o episódio de Lost que esquecera de deixar gravando. Logo irrompem nas salas dois seguranças estupefatos.
- Que discussão é essa? – pergunta o estupefato segurança A.
- É porque você não entende o que é arte. Arte não é para entender. O silêncio é um manifesto contra os ditames...
O estupefato B não consegue completar a frase do folder do concerto que já tinha decorado porque é atingido pelo próprio companheiro iletrado.
Moral mínima da fábula menor: “O silêncio vale ouro, mas a ideologia estética não tem preço”.
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