
Ninguém precisa entrar num cinemark pra entender isso. Críticos comentam que muita gente não se desliga do mundo lá fora e continua com os celulares ligados. A atenção dedicada é menor. Noutro dia, uma matéria na TV mostrou um cinema em que a platéia era formada de pais com seus bebês. Amamentava-se, trocavam-se fraldas, se ouviam choros, tudo para alimentar o modismo e a satisfação de dizer aos amigos e amigas que se foi a um cinema com um bebê de colo. Em outro cinema, pessoas assistiam ao filme numa galeria onde podiam pedir bebidas, quitutes e conversar. Para quê ir, então, se não se vai assistir o filme?
Nunca entendi porque é preciso encher o estômago enquanto se vê um filme. Talvez, com o cérebro dividido entre ordenar o delicioso caos nutricional e entender os enredos implausíveis, seja possível deixar os neurônios nadando em banho-maria.
O comercial do visa el*ct*on é sinalizador da nossa era de desatenção, gula e desrespeito. Um casal já chega atrasado para a sessão. Aliás, na propaganda, todos os espectadores estão atrasados. Logo começa uma luta renhida para se entrar a tempo na sala. Litros de refrigerante, baldes de pipoca, salgadinhos, chocolates, um arsenal de guloseimas. Dá pra imaginar as dentadas, mastigadelas, ruídos de embalagens sendo abertas, o cheiro impregnante, possíveis arrotos, ringtones dos celulares tocando, enfim, uma sucursal do inferno em forma de sala multiplex.
Pouca gente se importa com isso. Com a desculpa de que se trabalha arduamente e que tudo que se quer é uma sessão de cinema descerebrada, assiste-se a filmes dos quais não se lembrará nem do título. São confusões de estudantes no colégio, explosões em supercâmera lenta e som mixado em 128 canais, profusão de olhares 43, mocinhos gritantes, mocinhas berrantes. É só isso que se exige do cinema? Por acaso, é só a música barulhenta e sexista que existe? A literatura se reduz às fantasias de Sidney Sheldon e aventuras de bruxinhos juvenis?
Há tempo para tudo debaixo do sol, até para o entretenimento light e indolor. Não há quem viva só de preocupações metafísicas e denúncia social. Mas é inegável que muitos filmes estão se beneficiando de platéias com a mentalidade e a exigência estética estacionadas nos 6 anos de idade. É a infantilização do cinema.
Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo! Três beijos, trinta carros, trezentos mortos, trezentos milhões na conta! Se os romanos e os visigodos saíssem das catacumbas, eles só estranhariam os cortes velozes e furiosos da montagem do filme, pois o tema e o desenrolar das histórias são os mesmos. É o pão e o circo que se materializaram em pipoca e cinema.
É uma pena quando tudo o que se pede da arte é que ela nos entretenha. É uma questão de educação para a arte? De acesso ao questionamento crítico? De simples desconhecimento de um outro tipo de filme? Mas o público mimado não pode atender a nenhum chamado para a reflexão sob o risco de estragar a digestão.
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