Felicity Baker e William Bor publicaram alguns resultados de pesquisa sobre música e comportamento humano na revista Australasian Psychiatry (Agosto/2008, pp. 284-288). Os pesquisadores buscaram estabelecer uma série de correlações entre escuta musical e atitudes ou práticas dos ouvintes, como:
Os fãs de música pop teriam uma tendência à dúvida sexual, quem ouve dance music aumenta as chances de consumir drogas, os ouvintes de jazz tendem à solidão e teriam dificuldade de aceitação social. Pior ficou para os metaleiros, os ouvintes e “praticantes” de heavy metal e variações, que tendem a roubar, fazer sexo sem proteção, dirigir alcoolizado e sofrer de depressão que pode levar ao suicídio.
Só faltou dizerem que as plantinhas crescem viçosas e felizes porque escutam música clássica.
O objetivo da pesquisa, descrito no artigo, é perguntar se a música induz à ações sugeridas nas letras das canções ou se a preferência musical representa tendências de comportamento já existentes no indivíduo.
A música induz à ações sugeridas nas letras? Depende do grau de inserção individual em certos grupos subculturais (subculturas do hip hop, do pagode, da música barroca, evangélica, etc). Atenção: Subcultura não quer dizer uma cultura inferior, mas uma parte da totalidade de gêneros, estilos e expressões que representam o que chamamos de cultura.
Escutar música é muitas vezes um ato coletivo, em que o senso de pertencer a uma comunidade afeta diretamente a construção do gosto. Porém, a letra da canção não é um agente dominante de orientação das ações. Ela, a letra, não está sozinha. Nem o ouvinte está só. Consideremos os fatores extramusicais.
Uma música é um produto social e, como tal, pode expressar conteúdos que refletem os desejos e anseios de um grupo. Enquanto as músicas cristãs comunicam as esperanças e convicções dos cristãos, as canções do funk expressam as vontades e perspectivas de outro grupo social.
O funk carioca apresenta canções altamente erotizadas, outras contêm a temática de violência e de enfrentamento da polícia e algumas denunciam o abuso e o preconceito a que os moradores das periferias são submetidos. Pesquisadores de outras áreas que não a etnomusicologia ou a sociologia costumam dar pouca importância às experiências sociais do indivíduo e privilegiam a ação do som sobre neurônios e células. Para eles, a reação psicológica do sujeito é resultado mais da fisiologia individual que da vivência cultural.
No entanto, a pergunta deveria ser: como fatores extramusicais afetam a escuta e a produção musical dos indivíduos? Qual o impacto de problemas sociais, como a pobreza, a falta de perspectivas profissionais lícitas, a presença de modelos de liderança do tráfico, a ausência da família e a carência de itens básicos para a dignidade humana – educação de qualidade, saneamento e moradia – sobre o ouvir o fazer musicais?
Por outro lado, o ouvinte de funk ou axé não é apenas o morador da periferia ou da favela. Juntaram-se a estes os abonados das classes sociais urbanas. Historicamente, sempre foi assim. No século XIX, enquanto a polícia invadia quintais e terreiros e prendia quem transitasse pelas ruas com um pandeiro ou um violão, a elite convidava alguns daqueles músicos perseguidos para animar suas festas exclusivas.
As classes média e alta, hoje, apropriaram-se das criações musicais populares e inventam bailes e festejos que excluem as classes baixas por meio de ingressos, blocos de trios elétricos e figurinos (os tais abadás) caríssimos. Pior: boa parte dos festeiros e baladeiros é formada por universitários ou já graduados de diversas áreas (medicina, psicologia, direito, arquitetura, farmácia e até serviço social – um curso que costumava apresentar estudantes de elevado senso crítico e cultural).
Entra em cena outro fator: o hedonismo, que é a busca de prazer imediato e contínuo acima de tudo o mais. A esmagadora maioria das canções pop das mídias oferece em suas letras um convite a autogratificação tão instantânea quanto passageira. Por isso, talvez, a música popular já não consegue (e nem quer) oferecer canções duradouras, mas apenas canções sazonais, feitas para durar uma estação, uma semana, uma festa.
Vale dizer que pessoas de todas as esferas sociais e econômicas estão se sujeitando ao descontrole moral e à irresponsabilidade das ações. O ambiente em que se realizam baladas e outros carnavais bem como as referências morais que o indivíduo valoriza podem determinar a vulgaridade das letras e das danças, porém não será música a causadora dos atos de agressão nem o induzirá ao uso de drogas, embora estas práticas sejam notadas nos circuitos das festas.
Não podemos descartar inteiramente os estudos que apontam a vulnerabilidade emocional do ouvinte como fator relevante nas escolhas e preferências musicais, mas também não é possível afirmar definitivamente que as letras induzem o ouvinte a uma ação. Se fosse assim, os cristãos seriam um grupo de pessoas extraordinárias que só fariam o bem o tempo todo.
No entanto, é a fé, e não a prática da fé, que vem pelo ouvir. Para imprimir sua fé em suas ações e atitudes, é preciso ao crente uma mente convertida de fato. A escuta de canções religiosas ou de sermões semanais faz mais sentido, provoca a mudança e confirma as convicções quando acompanhada da leitura de livros religiosos e de reflexão sobre estes conteúdos.
Não confie demais nos ouvidos. Apesar de abertos o tempo todo, eles podem ser traiçoeiros. A música é a única forma de arte que nos ataca pelas costas.
Os fãs de música pop teriam uma tendência à dúvida sexual, quem ouve dance music aumenta as chances de consumir drogas, os ouvintes de jazz tendem à solidão e teriam dificuldade de aceitação social. Pior ficou para os metaleiros, os ouvintes e “praticantes” de heavy metal e variações, que tendem a roubar, fazer sexo sem proteção, dirigir alcoolizado e sofrer de depressão que pode levar ao suicídio.
Só faltou dizerem que as plantinhas crescem viçosas e felizes porque escutam música clássica.
O objetivo da pesquisa, descrito no artigo, é perguntar se a música induz à ações sugeridas nas letras das canções ou se a preferência musical representa tendências de comportamento já existentes no indivíduo.
A música induz à ações sugeridas nas letras? Depende do grau de inserção individual em certos grupos subculturais (subculturas do hip hop, do pagode, da música barroca, evangélica, etc). Atenção: Subcultura não quer dizer uma cultura inferior, mas uma parte da totalidade de gêneros, estilos e expressões que representam o que chamamos de cultura.
Escutar música é muitas vezes um ato coletivo, em que o senso de pertencer a uma comunidade afeta diretamente a construção do gosto. Porém, a letra da canção não é um agente dominante de orientação das ações. Ela, a letra, não está sozinha. Nem o ouvinte está só. Consideremos os fatores extramusicais.
Uma música é um produto social e, como tal, pode expressar conteúdos que refletem os desejos e anseios de um grupo. Enquanto as músicas cristãs comunicam as esperanças e convicções dos cristãos, as canções do funk expressam as vontades e perspectivas de outro grupo social.
O funk carioca apresenta canções altamente erotizadas, outras contêm a temática de violência e de enfrentamento da polícia e algumas denunciam o abuso e o preconceito a que os moradores das periferias são submetidos. Pesquisadores de outras áreas que não a etnomusicologia ou a sociologia costumam dar pouca importância às experiências sociais do indivíduo e privilegiam a ação do som sobre neurônios e células. Para eles, a reação psicológica do sujeito é resultado mais da fisiologia individual que da vivência cultural.
No entanto, a pergunta deveria ser: como fatores extramusicais afetam a escuta e a produção musical dos indivíduos? Qual o impacto de problemas sociais, como a pobreza, a falta de perspectivas profissionais lícitas, a presença de modelos de liderança do tráfico, a ausência da família e a carência de itens básicos para a dignidade humana – educação de qualidade, saneamento e moradia – sobre o ouvir o fazer musicais?
Por outro lado, o ouvinte de funk ou axé não é apenas o morador da periferia ou da favela. Juntaram-se a estes os abonados das classes sociais urbanas. Historicamente, sempre foi assim. No século XIX, enquanto a polícia invadia quintais e terreiros e prendia quem transitasse pelas ruas com um pandeiro ou um violão, a elite convidava alguns daqueles músicos perseguidos para animar suas festas exclusivas.
As classes média e alta, hoje, apropriaram-se das criações musicais populares e inventam bailes e festejos que excluem as classes baixas por meio de ingressos, blocos de trios elétricos e figurinos (os tais abadás) caríssimos. Pior: boa parte dos festeiros e baladeiros é formada por universitários ou já graduados de diversas áreas (medicina, psicologia, direito, arquitetura, farmácia e até serviço social – um curso que costumava apresentar estudantes de elevado senso crítico e cultural).
Entra em cena outro fator: o hedonismo, que é a busca de prazer imediato e contínuo acima de tudo o mais. A esmagadora maioria das canções pop das mídias oferece em suas letras um convite a autogratificação tão instantânea quanto passageira. Por isso, talvez, a música popular já não consegue (e nem quer) oferecer canções duradouras, mas apenas canções sazonais, feitas para durar uma estação, uma semana, uma festa.
Vale dizer que pessoas de todas as esferas sociais e econômicas estão se sujeitando ao descontrole moral e à irresponsabilidade das ações. O ambiente em que se realizam baladas e outros carnavais bem como as referências morais que o indivíduo valoriza podem determinar a vulgaridade das letras e das danças, porém não será música a causadora dos atos de agressão nem o induzirá ao uso de drogas, embora estas práticas sejam notadas nos circuitos das festas.
Não podemos descartar inteiramente os estudos que apontam a vulnerabilidade emocional do ouvinte como fator relevante nas escolhas e preferências musicais, mas também não é possível afirmar definitivamente que as letras induzem o ouvinte a uma ação. Se fosse assim, os cristãos seriam um grupo de pessoas extraordinárias que só fariam o bem o tempo todo.
No entanto, é a fé, e não a prática da fé, que vem pelo ouvir. Para imprimir sua fé em suas ações e atitudes, é preciso ao crente uma mente convertida de fato. A escuta de canções religiosas ou de sermões semanais faz mais sentido, provoca a mudança e confirma as convicções quando acompanhada da leitura de livros religiosos e de reflexão sobre estes conteúdos.
Não confie demais nos ouvidos. Apesar de abertos o tempo todo, eles podem ser traiçoeiros. A música é a única forma de arte que nos ataca pelas costas.
Comentários
Sabe, outro dia fiquei quase que petrificada ao ouvir um grupo de jovens aparentemente "periféricos" (que horror usar esse termo), escutando uma musica que dizia "esTRUPA, a mulher esTRUPA", a letra não somente trazia uma violencia a mulher, mas a lingua portuguesa também.
A musica é sim uma arma, com ela podemos nos deprimir, nos motivar, isso fica bem claro nas trilhas sonoras dos filmes.
E só de lembrar que Lucifer era um grande maetro no céu, fica facil entender como alguém ainda tem coragem de colocar uma musica como aquela no carro a todo volume.
inclusive rebaixando, com a aquiescência de algumas delas, as mulheres à condição de fruta (melancia, morango,...)
Gosto dos seus textos no éoqhá, mas foi por causa de um comentário seu feito no blog do Santeli sobre a impressa e Olavo de Carvalho que vim parar aqui. Sim, os caminhos de Deus são estranhos mesmo.:)
Sobre a postagem, por favor, corrija-me se entendi (ou concluí) mal:
1. o gosto musical influencia na moral do ouvinte.
2. A moral do ouvinte influencia no gosto musical.
3. A moral (ou a falta dela) e o gosto musical se reforçam mutualmente.
A dúvida principal: qual tem mais peso, o item 1, ou o item 2?
Abraços Joêzer!
um dia vou ter essa capacidade de síntese.
1 - o ser humano é um ser moral, e sua moral é resultado de uma série de escolhas e aprendizados.
2 - o ser humano é um ser social, e seu gosto musical é construído nas atividades e ambientes sociais.
3 - o ser humano é um ser moral e social ao mesmo tempo. Um novo código moral elimina certas práticas musicais e sociais (digamos, a conversão religiosa).
Mas um novo código social também modifica suas práticas (através da educação, por exemplo).
enfim, rascunhando assim fica meio autoritário e definitivo, mas os estudos mais sérios dirão que o código moral e o código social atuam juntos nas ações humanas.
abs