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os brutos também pensam

Jornalistas e teóricos do evolucionismo, uma gente dotada de brilhantismo e bons postos de observação nos periódicos, têm obstinadamente alertado os cidadãos dos males da religião. Concentram-se nas caricaturas de um cristianismo barulhento e pernóstico e na beligerância totalitária de povos muçulmanos. Demonstram como dois e dois é igual a um ancestral comum a nadar no caldo amniótico de uma terra primitiva e sair para o vestibular da seleção natural. Isso é ciência, escrevem.

E para que discordar, quando apregoam as boas novas de um mundo melhor sem religião, sem Deus? E como discordar, se aos intelectuais neo-pós-darwinianos franqueia-se a palavra e aos cristãos acadêmicos concede-se o silêncio (ou a seção de cartas do leitor, que é a mesma coisa)? Às vezes, submergem suas páginas no fotolito do rancor e do preconceito que costumam atribuir aos crentes. Não é difícil notar que esse furor tem uma face anticristã, já que a mesma verve crítica raramente é destilada contra o espiritualismo light de horóscopos e cristais.

A coluna de André Petry na revista Veja (04/02) é mais um petardo da frente antirreligião camuflada de ataques ao criacionismo. "É assustador que, às vésperas do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, ... escolas brasileiras estejam ensinando criacionismo nas aulas de ciências". Ele dá nomes: "Já se sabia que as escolas adventistas fazem isso". Exagero se digo que ele parece nauseado ao chamar o ensino do criacionismo de "isso"?

Em seu ataque, ele diz que essa rede de escolas - ele também aponta os colégios Mackenzie como os mercadores da má-fé educacional, "contrabandeia o criacionismo para as aulas de biologia". E arremata: "É inaceitável que o criacionismo seja ensinado em biologia para explicar a origem das espécies. Em biologia, vale o evolucionismo de Darwin... a melhor (e por acaso a mais bela) explicação que a ciência encontrou sobre a aventura humana na Terra".

O evolucionismo é algo definitivo e inquestionável, por acaso (com trocadilho, por favor)? Não se pode mostrar na aula de ciências os constructos sociais e científicos erguidos pelo pensamento humano? Não se pode contrapor os modelos criacionista e evolucionista, apontando virtudes e falhas de ambos?

André Petry, com sua escrita articulada e provocadora, permeia seu evolucionismo ortodoxo com os termos do encantamento e da religião: o evolucionismo "é a melhor (e não por acaso a mais bela) explicação"; no título, escreve "lembra-te de Darwin" (nos dias da tua mocidade?). Em seu texto, os cristãos criacionistas são seres embrutecidos porque não encontraram a luz da verdade evolucionista e, nas escolas, misturariam crença com ciência, superstição com razão, alhos com bugalhos.

Petry teceu algumas simplificações. Dizer que as instituições do Mackenzie e da rede adventista embrutecem o aluno por fazerem o evolucionismo dividir a lousa com o criacionismo é generalizante (para não dizer ofensivo à razão). E creio que os hospitais e colégios ligados a instituições confessionais não compuseram seus quadros com gente mentalmente embrutecida. Os empregadores que acreditarem no seu artigo talvez se perguntem quanto de gente embrutecida contrataram, já que esses "ignorantes criacionistas" atrasam o correr desse país que vai pra frente!

Para André Petry, o criacionismo é uma fábula, e lugar de fábula é na aula de religião (ele quase escreveu aula de contos de fada). Como o cristianismo bíblico aceita a criação divina, logo esse cristianismo é um conto da carochinha que será satirizado pelo cinismo genial dos desenhos animados no estilo Shrek.

Caro Petry, você lerá cartas que comentarão melhor o seu texto. Algumas, respeitosas. Muitas, furiosas e desatinadas. Outras, elogiosas e concordantes. Após a leitura delas, considere também: Grandes pensadores e leigos fiéis teriam erigido sua fé e seus valores éticos sobre uma fábula de areia? A filosofia educacional cristã tem mesmo brutalizado as mentes de seus alunos?

Meus filhos são da segunda geração familiar a cursar o ensino básico em uma escola da rede adventista. Eu lhe convido a visitar um desses colégios, converse com os professores de biologia e religião. Aproxime-se sem medo; nosso suposto "embrutecimento" não é contagioso. E pode ser que, além de já saber que os brutos também amam, você conclua que os brutos também pensam.

Leia também os artigos Visão 'petryficada' da Veja e A esquizotimia de André Petry e o Mackenzie.

Comentários

Anônimo disse…
Eu só acho que da mesma forma que nós adventistas fazemos de tudo para não prestarmos vestibular no horário de sábado, deveríamos reconhecer a aula de "ciências" como todas as outras instituições de ensino. Nas aulas de religião fazer jus à denominação da escola.

Não acho que devemos salpicar religião (criacionismo) na parte da educação dada por professores que devem ensinar as coisas que são friamente exatas aos olhos do homem.

Minha opinião é somente de que hoje com a velocidade da informação e a facilidade com que ela nos é dada, podemos aprender tudo no tempo e lugar certos, e temos a habilidade de distinguir o que é sagrado e realmente verdadeiro, respeitando a opinião do nosso próximo.
Anônimo disse…
Caro Joêzer, bom dia.

Procurando uma versão online do artigo de Petry, o qual li por acaso em uma edição da Veja na academia em que minha avó faz hidroginástica, deparei-me com seu blog. No momento em que escrevo, ainda não li outros posts seus, apenas este, mas de antemão já o parabenizo pela lucidez, inteligência e ponderação com que compôs o presente texto, as quais provavelmente devem imbuir o resto de sua produção.

Desculpe-me se sou talvez assaz sincero, mas é raro - pelo menos de acordo com minha exígua experiência de um jovem de 21 anos - um cristão praticante que saiba equilibrar tão bem as ideias relativas à religião e à "ciência oficial", não se deixando dominar pelas más consequências de uma defesa apaixonadamente fundamentalista do criacionismo. Aliás, agora entendo que não precisamos acreditar cegamente em Dawkins quando ele afirma, em Deus, um delírio, não só que mesmo a religião "não fundamentalista" serve de base para a religião "fundamentalista", como quando "o buldogue de Darwin" escreve que todo aquele que acredita no criacionismo é necessariamente fundamentalista por não aceitar as provas evidentes do evolucionismo.

Embora eu seja ateu (mais precisamente - e por que não com certa dose de eufemismo? - materialista), minha namorada é adventista, e no pouco que convivemos juntos, ela já me ensinou muita coisa. Uma de suas ações, enquanto discutíamos Deus, um delírio pelo orkut, foi dar algumas provas científicas favoráveis ao criacionismo, as quais não pude verificar por falta de tempo e mesmo de conhecimento sobre geologia e outros ramos das ciências naturais que estivessem ligados a tais afirmações. Afora este debate, minha querida só me tem dado até agora lições de abnegação e amor vindas não só dela mesma, mas de sua família: ela abandonou suas funções na igreja por estar namorando alguém que não pertença à mesma instituição (regra a qual - já pedindo desculpas pelo uso que farei da liberdade de expressão e pensamento - acho uma besteira supersticiosa), e mesmo demonstrando colocar Deus acima de todas as coisas, aceitou namorar comigo, apesar de meu arraigado racionalismo; sua família, por outro lado, não se opôs, segundo ela, ao nosso relacionamento, embora eu ainda não tenha tido contato com os "velhos".

Enfim, à guisa de encerramento, cada vez mais acho que, apesar da rigidez do modo de vida adventista, seus membros (e me desculpe, estimado Joêzer, se você serve de "prova científica" para minhas conclusões) são pessoas que sabem, devido à integridade de seu caráter, distinguir fé e razão e conviver de forma pacífica com gente das mais variadas características, emitindo opiniões justas, interessantes e temperadas sobre elas. Minha opinião sobre a contenda entre Darwin e a Bíblia é a de que, concordando com você, ambos os pontos de vista devem ser ensinados nas aulas de Ciências, mas enquanto nas aulas de Religião a abordagem do criacionismo pdoeria ter mais "liberdade de dogmatismo" (!), justamente por se tratar de algo que tem a ver com a fé, e não com a produção de um conhecimento (que se pretende) universal, os professores de matérias laicas devem abordá-lo de modo mais crítico, relevando tanto seus (possíveis) acertos quanto suas fraquezas. Igualmente, não é porque uma pessoa livra-se das amarras das crenças religiosas, as quais considero sinceramente como superstições (balde de água fria que adoro jogar naqueles evangélicos, e mesmo católicos, mais acalorados que escondem seu misticismo em detrimento do espiritismo, das religiões afrobrasileiras etc.), que as atitudes de altruísmo, ponderação, cuidado de si, comedimento e dedicação das pessoas de fé não devam também ser consideradas como lição para a vida de qualquer pessoa que queira guiar-se por princípios saudáveis de vida, embora desligados de qualquer forma de espiritualismo.

Desculpando-me já previamente pelo tamanho do texto e das frases, desejo muita sorte ao seu blog e reitero meus votos de um ótimo dia,

Érick
joêzer disse…
érick,
agradeço a gentileza de suas palavras.
sua leitura atenta e seu pensamento esclarecido serão sempre bem-vindos nesse blog.
Anônimo disse…
Valeu, irmão! De fato, seu blog acaba de ser adicionado aos "Meus favoritos" de meu PC! Quando precisar de opiniões interessantes sobre os assuntos que você discorre, certamente cairei aqui novamente! ;=)

Falando em "Meus favoritos", outro blog que estimo é o de meu colega de faculdade Silas Stein, o "Escrevendo História". Ele também é evangélico, e além de postar seus trabalhos do curso, escreve opiniões muito interessantes sobre valores cristãos e sua relação com nosso campo de estudo. O endereço é: http://escrevendohistoria.blogspot.com/

Só pra terminar, uma atualização: achei a versão online do artigo do André PetryFicado e, equilibrando uma visão meio por cima com as repercussões que ele teve na Net, penso que nem vale a pena salvá-lo: o cara consegue ser mais fundamentalista do que aqueles que ensinam criacionismo nas escolas (se por alguma razão o são, é claro)! Abandonar o criacionismo nas aulas de Ciências seria uma perda da oportunidade de fazer uma interdisciplinaridade entre História e Biologia (não sei, mas também Sociologia, se ensinam separado), pra começar. Precisamos ouvir os dois lados para possibilitar a livre escolha do aluno, embora eu já ache que o criacionismo não se encaixe muito no âmbito da ciência. Tudo bem, há algumas evidências científicas, que aliás deveriam ser mais divulgadas nas escolas e na mídia, mas deve-se lembrar que a teoria darwinista veio da pesquisa empírica, enquanto o criacionismo tem como origem a Bíblia, que não foi escrita por métodos científicos. Tá, acredita-se que a Bíblia é a verdade de Deus revelada, mas não entrando no mérito dessa discussão, só pra fechar: imposições arbitrárias do quê, onde e quando deve ser ensinado, além de ocultar a riqueza do pensamento humano, assemelha-se a métodos de educação autoritários, como nas aulas de Educação Moral e Cívica pós-1964, em que os aluninhos eram obrigados a engolir que o 31 de março foi uma "revolução heroica" contra um governo "que estava em mãos imprudentes" (trecho de um poema de Idalina Ladeira Ferreira em material didático para o ensino desse "dinossauro").

Abraços, e obrigado pelo calor humano que recebi de suas palavras!

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