Pular para o conteúdo principal

a arte de ver

Por ocasião da morte do cineasta Ingmar Bergman (1918-2007), Paulo Coelho declarou, com o devido respeito, que “os filmes de Bergman eram chatíssimos”. Não se pode negar que quem estiver atrás de emoções em cascata, romances a granel e sensações em montanha-russa não as encontrará no cinema de contemplação de Bergman. Mas seguramente também não as achará nos livros de Paulo Coelho, nos quais não habita a literatura e nem a arte ali fez morada.

É claro que o cinema sempre foi um grande negócio, mas houve quem transcendesse o simples comércio e entregasse ao espectador um produto de alta qualidade estética e vigor intelectual inconteste. Ou seja, mais que vender rostos bonitos e batidas de carros, ainda há diretores e roteiristas que sabem tirar leite de pedra, quer dizer, extrair arte do comércio.

A idéia de cinema como entretenimento está presente desde o seu duplo berço na França, com os irmãos Lumière, e nos EUA, com Thomas Edison e sua turma (já andaram dizendo que o suor e até a inspiração eram mais da turma do que de Edison).

Daí os filmes de aventura e ação obterem tanto sucesso. Daí as aflições românticas, em forma cômica ou dramática, exercerem tanto fascínio. Daí que, se você junta ação e romance, tragédia e efeitos especiais, uma pitada histórica baseada-em-fatos-reais, um coadjuvante cômico e um casal loirinho falando inglês, você tem um sucesso de bilheteria como Titanic. É evidente que essa fórmula pode também revelar-se um tremendo fiasco, mas vá dizer isso aos produtores de Roliúdi.

Aqui também é preciso levar em consideração outros fatores como: a pujança econômica e americana que inunda as telas do mundo com a propaganda do seu estilo de vida e de suas celebridades; a atração humana por narrativas lineares, isto é, com começo-meio-fim, necessariamente nessa ordem; o desgaste físico cotidiano que leva a mente a pedir descanso e entretenimento leve; a massificação de uma única opção cultural: a arte como diversão; a ausência de uma educação estética nas escolas, que seria responsável por apresentar uma leitura da nossa Era da Imagem em Movimento e que capacitasse os estudantes a compreender que cinema, assim como a música ou a literatura, não existe apenas como passatempo de hiperestimulação hormonal.

O problema aparece quando, de tanto incentivo ao fluxo da adrenalina, a pessoa não consegue assistir a filmes que não sejam de suspense, terror, comédia besteirol ou paixões com finais felizes. Algo está sendo perdido quando apenas se assiste a um cinema que só quer contar uma historinha antes de você dormir.

Vão se perdendo chances de deparar-se com a arte capaz de reorientar nosso pensamento e desvelar novos modos de enxergar o mundo. Filmes que saúdam a inteligência do espectador e lhe despertam para um diálogo consigo mesmo.

Mas pergunte-se a você: que circunstâncias formaram meu gosto, meu juízo estético, minha compreensão da arte? Ou ainda: estou levando esse entendimento de arte somente como lazer e diversão para outros campos da vida, como o estudo, o trabalho, a religião?

Comentários

tive que rir ao ver como vc descreveu o PC...
preciso conhecer mais sobre a sétima arte. depois de muitos anos só assistindo filmes europeus (e isso incansavelmente) a minha mente pediu clemência e hoje esta arte tenta me entreter de forma leve... gostei de vc ter incluso "o desgaste físico cotidiano que leva a mente a pedir descanso e entretenimento leve", pois assim não me sinto tão culpado e mais compreendido... ;)
forte abraço
joêzer disse…
amigo,
tem épocas que estou mais pra spielberg que pra godard (se bem que acho que nunca estive muito pra godard). e geralmente isso acontece quando o trabalho é muito e a paciência é pouca.
Anônimo disse…
Acho que a medida em que a informação vai ficando mais próxima de todos, em que essa nova geração que tem mais interesse por saber mais, tem mais contato com opiniões, acaba ficando mais crítica, com uma opinião mais apurada.

Cinema fácil, explosões, carros, humor pastelão, tem seu tempo enquanto as pessoas vão ficando mais exigentes com o cinema mais elaborado, histórias com pé e cabeça.

Slumdog Millionaire ganhar o oscar, tbm pode ser a aproximação de senso crítico de uma nova geração de espectadores com a "board" da academia que elege o melhor filme.
joêzer disse…
beleza de comentário.

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n