Durante a ditadura militar, os compositores brasileiros buscavam na metáfora seu recurso para driblar a cerrada marcação da censura. Em 1973, uma música marcaria a "página infeliz da nossa história". Durante um evento realizado pela PolyGram, Chico e Gilberto Gil decidiram cantar uma canção previamente censurada, "Cálice". O refrão era:
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
de vinho tinto de sangue
A referência à angústia de Jesus no Getsêmani era apenas de superfície, na escrita. Na fala, o "cálice" soava também como "cale-se". A referência era à angústia do artista e do intelectual, tesourados, amordaçados, silenciados.
Quando Chico e Gil começaram a cantar essa música, o censor junto à mesa de som (era uma praxe a presença do censor nos shows) mandou desligar os microfones. Chico Buarque ia de um microfone a outro tentando cantar "cálice/cale-se", e sendo tragicomicamente "calado".
Cantar uma música de protesto censurada era uma forma de desobediência civil e pacífica. Ao contrário da "companheirada" que sonhava em substituir uma ditadura por outra. Alguns daqueles que foram presos e/ou exilados pelo regime militar hoje militam mais pacificamente, a exemplo dos dois concorrentes à presidência do país.
No entanto, políticos, locutores e celebridades em geral não escapam da mordaça virtual de um "CALA A BOCA". Os internautas esquecem que o país já superou os dias cinzentos de mordaça pública e notória. De fato, parece que aquele tempo é uma passagem desbotada da memória das nossas novas gerações, pra citar outra música de Chico Buarque. No twitter, o imperativo do cala-boca soa como toda ditadura: autoritária e mal-educada. Afastem esse cale-se da internet. Deixem os candidatos falarem. Até porque político e peixe morrem pela boca.
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