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comentários à carta de Marina

Em sua epístola aberta aos dois candidatos que disputam a presidência da República, Marina Silva mostra sua estatura ética e sua vereda política. Não é uma carta-bomba. É uma carta que mais parece um bilhete da professora. Como os dois candidatos estão se comportando como alunos em briga de recreio, bem que merecem ouvir. E nós também (Só pesquei e comentei em itálico alguns trechos. A íntegra da carta está aqui).


“Quero afirmar que o fato de não ter optado por um alinhamento neste momento não significa neutralidade em relação aos rumos da campanha. Creio mesmo que uma posição de independência, reafirmando ideias e propostas, é a melhor forma de contribuir com o povo brasileiro”.

Marina fez bem em não alinhar-se a nenhuma candidatura. Ficou do lado certo. O seu. Se ela volta ao PT, vai parecer uma traição aos ex-petistas indignados com a corrupção ativa e passiva no governo. Se ela se aproxima de Serra, suas propostas ambientalistas não ecoam na bancada ruralista do DEM de Ronaldo Caiado e Kátia Abreu.

“É uma ironia da História: dois partidos [PT e PSDB] nascidos para afirmar a diversidade da sociedade brasileira, para quebrar a dualidade existente à época de suas formações, se deixaram capturar pela lógica do embate entre si até as últimas consequências.
A agressividade de seu confronto pelo poder sufoca a construção de uma cultura política de paz e o debate de projetos capazes de reconhecer e absorver com naturalidade as diferentes visões, conquistas e contribuições dos diferentes segmentos da sociedade, em nome do bem-comum”.

O pior é que muitos eleitores de ambos os candidatos entendem a eleição como um torcedor de futebol.  São como aquele torcedor que é mais antivascaíno que pró-flamenguista. Experimente acompanhar uma eleição pelas redes sociais (twitter, orkut) para ver a que extremos de polarização chegam os partidários. Dá pra ver a saliva escorrendo de ódio quando um desses retuita uma baixeza. Voltemos à carta, que Marina diz melhor.

“A permanência dessa dualidade destrutiva é característica de um sistema politico que não percebe a gravidade de seu descolamento da sociedade. E que, imerso no seu atraso, não consegue dialogar com novos temas, novas preocupações, novas soluções, novos desafios, novas demandas, especialmente por participação política.
Paradoxalmente, PT e PSDB, duas forças que nasceram inovadoras e ainda guardam a marca de origem na qualidade de seus quadros, são hoje os fiadores desse conservadorismo renitente que coloniza a política e sacrifica qualquer utopia em nome do pragmatismo sem limites”.

As campanhas do PT e do PSDB fugiram do principal. A primeira pergunta de Serra no primeiro debate do 2º turno foi se Dilma acreditava em Deus. Fernando Henrique Cardoso perdeu uma eleição em São Paulo porque disse que era ateu. A mulher de Serra disse que Dilma mata criancinhas pois seria a favor do aborto. Ruth Cardoso jamais diria que a candidata do PT é uma Herodes comunista a favor da matança de inocentes. Dilma agora deu pra falar mal das privatizações do PSDB. Privatizações aquelas que permitem hoje que ela tenha um celular fácil em vez de uma linha telefônica com preço de carro importado. E assim caminham as duas campanhas, dando corda a spams fundamentalistas e rebaixando as conquistas uns dos outros na disputa pelo trono.

“E quem tentou desqualificar principalmente o voto evangélico que me foi dado, não entendeu que aqueles com quem compartilho os valores da fé cristã evangélica, vão além da identidade espiritual. Sabem que votaram numa proposta fundada na diversidade, com valores capazes de respeitar os diferentes credos, quem crê e quem não crê. E perceberam que procurei respeitar a fé que professo, sem fazer dela uma arma eleitoral.
Os exemplos de cristãos como Martin Luther King e Nelson Mandela e do hindu Mahatma Ghandi mostram que é possível fazer política universal com base em valores religiosos. São inspiração para o mundo. Não há porque discriminar ou estigmatizar convicções religiosas ou a ausência delas quando, mesmo diferentes, nos encontramos na vontade comum de enfrentar as distorções que pervertem o espaço da política”.

Marina assume-se não enquanto liderança evangelizante ou cristianizante, mas como liderança evangélica, cristã, que traz a religião como estilo de vida e não como suporte ideológico. E se Silas Malafaia não a apoia, isso só melhora o currículo de Marina.   

“Não se trata apenas de ter políticas ambientais corretas ou a incentivar os cidadãos a reverem seus hábitos de consumo. É necessária nova mentalidade, novo conceito de desenvolvimento, parâmetros de qualidade de vida com critérios mais complexos do que apenas o acesso crescente a bens materiais.
O novo milênio que se inicia exige mais solidariedade, justiça dentro de cada sociedade e entre os países, menos desperdício e menos egoísmo. Exige novas formas de explorar os recursos naturais, sem esgotá-los ou poluí-los. Exige revisão de padrões de produção e um fortíssimo investimento em tecnologia, ciência e educação”.

Esse é o Desenvolvimento Sustentável para Marina. Mas para os críticos, isso tudo parece a política de Avatar. E como Brasília não é Pandora, Marina quando ministra encontrou forte resistência para aplicar seu pensamento.

“De José Serra guardo a experiência de ter contado com sua solidariedade quando, no Senado, precisei de apoio para aprovar uma inédita linha de crédito para os extrativistas da Amazônia e para criar subsídio para a borracha nativa. Serra dispôs-se a ele mesmo defender em plenário a proposta porque havia o risco de ser rejeitada, caso eu a defendesse. Com Dilma Rousseff, tenho mais de cinco anos de convivência no governo do presidente Lula. E, para além das diferenças que marcaram nossa convivência no governo, essas diferenças não impediram de sua parte uma atitude respeitosa e disposição para a parceria, como aconteceu na elaboração do novo modelo do setor elétrico, na questão do licenciamento ambiental para petróleo e gás e em outras ações conjuntas.

Estou me dirigindo a duas pessoas dignas, com origem no que há de melhor na história política do país, desde a generosidade e desprendimento da luta contra a ditadura na juventude, até a efetividade dos governos de que participaram e participam para levar o país a avanços importantes nas duas últimas décadas.

Por isso me atrevo, seja quem for a assumir a Presidência da República, a chamá-los a liderar o país para além de suas razões pessoais e projetos partidários, trocando o embate por um debate fraterno em nome do Brasil. Sem esconder as divergências, vocês podem transformá-las no conteúdo do diálogo, ao compartilhar idéias e propostas, instaurando na prática uma nova cultura política”.

Esse diálogo algum dia poderá acontecer? Algo de podre está no coração humano quando achamos que a proposta de diálogo pelo bem comum parece ingenuidade. Mas Marina justifica:

“A utopia, mais que sinal de ingenuidade, é mostra de maturidade de um povo cujo olhar eleva-se acima do chão imediato e anseia por líderes capazes de fazer o mesmo. Que Deus continue guiando nossos caminhos e abençoando nossa rica e generosa nação.
Marina Silva”

Mais:
A íntegra da carta, aqui.

Um pouquinho mais:
Marina, o bispo e o banqueiro


Comentários

Mayara Crispim disse…
Olá caro amigo!
Leio frequentemente seus artigos e tenho que te parabenizar pela coerência e simplicidade em tratar dos mais diversos temas.
Assim como você, sou adventista, e seu blog me inspirou a também compartilhar de minhas ideias.
Não se compara ao seu blog, mas se puder dar uma passada por lá, ficaria grata e honrada.
http://www.e-pontofinal.blogspot.com/

Mais uma vez parabéns, e desde já, bom sábado!
Anônimo disse…
Thanks :)
--
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для сайта notanapauta.blogspot.com

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