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Seis cegos e um elefante, ou, nossa mania de juiz


Era uma vez seis cegos à beira de uma estrada. Um dia, lá do fundo de sua escuridão, eles ouviram um alvoroço e perguntaram o que era. Era um elefante passando e a multidão tumultuada atrás dele. Os cegos não sabiam o que era um elefante e quiseram conhecê-lo.
Então o guia parou o animal e os cegos começaram a examiná-lo:
Apalparam, apalparam...Terminado o exame, os cegos começaram a conversar:
— Puxa! Que animal esquisito! Parece uma coluna coberta de pêlos!                                                         — Você está doido? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, isto sim!                                            — Qual abano, colega! Você parece cego! Elefante é uma espada que quase me feriu!                               — Nada de espada e nem de abano, nem de coluna. Elefante é uma corda, eu até puxei.                            — De jeito nenhum! Elefante é uma enorme serpente que se enrola.                                                            — Mas quanta invencionice! Então eu não vi bem? Elefante é uma grande montanha que se mexe.

E lá ficaram os seis cegos, à beira da estrada, discutindo partes do elefante. O tom da discussão foi crescendo, até que começaram a brigar, com tanta eficiência quanto quem não enxerga pode brigar, cada um querendo convencer os outros que sua percepção era a correta. Bem, um não participou da briga, porque estava imaginando se podia registrar os direitos da descoberta e calculando quanto podia ganhar com aquilo.

A certa altura, um dos cegos levou uma pancada na cabeça, a lente dos seus óculos escuros se quebrou ferindo seu olho esquerdo e, por algum desses mistérios da vida, ele recuperou a visão daquele olho. E vendo, olhou, e olhando, viu o elefante, compreendendo imediatamente  tudo.

Dirigiu-se então aos outros para explicar que estavam errados, ele estava vendo e sabia como era o elefante. Buscou as melhores palavras que pudessem descrever o que vira, mas eles não acreditaram, e  acabaram unidos para debochar e rir dele.

Morais da história:
Em terra de cego, quem tem um olho anda vendo coisas.                                                                    Quando algo é tido como verdade, o que é diferente parece mentira.                                               Problemas comuns unem.                                                                                                                           Se você for falar sobre um bicho para uma pessoa que nunca viu um, melhor fazer com que ela o veja primeiro.

Virgílio Vasconcelos Vilela (Possibilidades)

*****
Nota na pauta: seis cristãos (eu sou o primeiro) julgam um elefante-cantor. Cada um tem uma interpretação. Eu gostaria de ser o cego que voltou a ver e tenta explicar como é o elefante, mas terei que concorrer com aqueles juízes que já tem a vista perfeita e verdadeira, então volto ao ensaio de minha cegueira. Nossa mania de juiz é tão irresistível quanto caolha. O que levará alguns web-transeuntes a dizer que quem está errado mesmo é o autor dessa história.

Comentários

Viviane Comunale disse…
Joêzer,

Muito bom o texto e o blog!
Já estou seguindo no twitter e aqui.
Te convido a visitar o meu:
www.historiaemrevista.blogspot.com
Abraços
Joêzer meu caro amigo...
Você fez exatamente o que criticou...
joêzer disse…
Eu me incluí entre os seis (na frase "eu sou o primeiro") e no final alertei que o autor da história também poderia estar errado.
Julgamos sempre com nossa balança, mas esquecemos de julgar se nossa balança está justa.

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