Pular para o conteúdo principal

Você não tem esportiva?

Todo esporte tem seu encanto. Até o golfe. Mas o futebol fascina tanto porque é imprevisível. No futebol, um time chamado “pequeno” pode bater o chamado “grande”, um time ganhando por dois gols pode levar uma virada inesquecível, o craque pode negar fogo na hora H e o anônimo reserva adversário pode virar o herói do título. Ok, tudo isso acontece nos outros esportes coletivos também. Mas o futebol ainda tem duas singularidades. A primeira é ser um esporte com o maior número de falastrões por metro de grama: Romário, Túlio Maravilha, Vampeta, Luxemburgo, Leão, Maradona... Olha o Renato Gaúcho, técnico do Fluminense.

Quando eliminou o Boca Juniors na semi-final da Libertadores, ele cravou: “Boca Juniors, muito prazer, Fluminense!”. Perguntado porque seu time ia mal no Campeonato Brasileiro, ele respondeu: “Os outros times estão a 5.000 km da próxima Libertadores; eu estou a 5 metros!”. E assim, a dois passos do paraíso, Renato e seus tricolores conheceram, muito prazer, a LDU, perderam e já estão na rabeira do Brasileirão.

Mas o que se queria do técnico Renato? Que ele cantasse a mesma velha toada de “é, respeitamos o adversário mas vamos lutar pelos três pontos”, ou falasse academicamente coisas como “todos os times são dignos do triunfo e a hipotética supremacia de um dos lados não se dará sem renhido combate e demonstrações explícitas de unidade de pensamento na diversidade da técnica”.

Tem ainda as respostas dos jogadores. Só a baixa escolaridade e o nervosismo diante dos microfones não explicam a questão. Ou explicam?

Anos 60 - O radialista elogia o fôlego de Garrincha: “Puxa, como você corre! Parece que tem uns dez pulmões!”. E Garrincha: “Que nada! Tenho só um como todo mundo”.

Anos 70 - Valdomiro, salvo engano, respondendo ao repórter na chegada do Internacional no aeroporto de Belém do Pará: “É bom estar aqui na cidade onde Jesus nasceu”.

Anos 90 - Jardel, inquirido sobre a dureza do Gre-Nal da semana: “Clássico é clássico e vice-versa!”.

A última? No dia 31 de julho, após jogar bem e marcar um gol em sua estréia no Sport (vitória sobre o Ipatinga), Ciro, 18 anos, responde ofegante no fim do jogo: “A gente tem que ser ‘pessimista’ se quiser vencer!”. O companheiro de clube, Carlinhos Bala, não deixou por menos ao comentar os gritos eufóricos da torcida naquela noite: “Agora é assim, é essa idolatria. Mas tem que ter a ‘cabeça’ no chão pra não se perder!”

Jogadores também são seres humanos, ora, pois. E quem manda jornalista fazer sempre a mesma pergunta. Na hora de driblar a resposta-padrão, o jogador, que não é nenhuma máquina de elaboração de respostas, se arrisca na gramática e na sintática e, qual um Dadá Maravilha, o pioneiro, pode dizer de uma partida: “Se eles tem a problemática, eu tenho a solucionática”.

Nos esportes coletivos, o lema é conhecido: “Um por todos e todos por um”. Mas nem essa união toda supera o maior mérito e singularidade do futebol: o empate. Salvo em rodadas decisivas (oitavas, quartas, semi, finais), há uma chance de o jogo terminar sem vencedores. O dualismo vitória/derrota, dependendo das circunstâncias da torneio, é vencido pela singeleza do empate. A mentalidade de acirrada competição norte-americana nunca vai engolir o futebol como ele é. Por isso, o basquete tem quantas prorrogações forem necessárias para que haja um vencedor e um perdedor. Deve ser muito complicado entender que na vida podem coexistir dois vencedores ou dois derrotados.

Por último, vejamos a Fórmula 1, aquele esporte com as máquinas conduzindo o homem que pensa dirigir as máquinas. O cinema prevê a rebelião e o domínio das máquinas sobre o planeta, mas os delírios de conquista do computador HAL-9000 e dos Transformers são fichinha perto do que já acontece com os seres abduzidos pelo MSN e pelo celular. As máquinas plantam, colhem, dão de comer e botam pra dormir. Parecem infalíveis.

Contudo, quem achava que só o seu HD falhava nos momentos em que mais precisava dele, pôde suspirar aliviado quando viu o carro de Felipe Massa parando devagarinho a três voltas da vitória no GP da Hungria. Na hora foi duro, mas sempre é bom saber que as máquinas também são seres humanos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par...

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu...

Bob Dylan e a religião

O cantor e compositor Bob Dylan completou 80 anos de idade e está recebendo as devidas lembranças. O cantor não é admirado pela sua voz ou pelos seus solos de guitarra. Suas músicas não falam dos temas românticos rotineiros, seu show não tem coreografias esfuziantes e é capaz de este que vos escreve ter um ataque de sonolência ao ouvi-lo por mais de 20 minutos. Mas Bob Dylan é um dos compositores mais celebrados por pessoas que valorizam poesia - o que motivou a Academia Sueca a lhe outorgar um prêmio Nobel de Literatura. De fato, sem entrar na velha discussão "letra de música é poesia?", as letras das canções de Dylan possuem lirismo e força, fugindo do tratamento comum/vulgar dos temas políticos, sociais e existenciais. No início de sua carreira musical, Dylan era visto pelos fãs e pela crítica como o substituto do cantor Woody Guthrie, célebre pelo seu ativismo social e pela simplicidade de sua música. Assim como Guthrie, o jovem Bob Dylan empunhava apenas seu violão e ent...