Depois do radiopastor e da telepastora assistimos a chegada de mais uma modalidade: a popstora. É como popstora que Baby do Brasil (ex-Baby Consuelo, ex-cantora-do-mundo e esquisita) se define. Pelo menos, esta reconhece o fator pop na sua carreira de pastora. Mas no mundo gospel neopentecostal, ninguém se define como popstora, nem mesmo como artistas. São todas “levitas” que “abençoam” as multidões de “fiéis” que participam das “ministrações” e “intercessões”.
A revista Backstage passou a dedicar algumas páginas ao mundo gospel. Na edição 162 (seção Boas Novas), além da agenda dos levitas e resenhas positivas de lançamentos de seus cds e dvds, há uma breve matéria que informa que “as ministrações de Aline passaram a contar com a alta qualidade dos produtos da marca Shure”. Depois, somos informados sobre os modelos que a cantora utilizará com exclusividade. Em propagandas de página inteira (revistas Igreja e UpGospel!) vê-se uma foto da cantora no palco com a legenda: “Aline Barros usa e recomenda os microfones Shure...”.
Preocupados também com o que têm para vestir, os (ad)“ministradores” da carreira da jovem cantora-pastora providenciaram um acordo com a marca Triton. O site oficial de Aline Barros assim informa: "Além do calor do público da cidade de Rio Claro, Aline também se aquece com o casaco, fashion, da loja Triton. O visual descontraído e jovial da loja Triton vestiu Aline Barros no Show que abençoou o povo da cidade”. (foto acima)
A construção da fama passa hoje obrigatoriamente pelos meios de comunicação de massa. É através da veiculação de imagens de um certo indivíduo, exibida constante e positivamente, que se estabelecem relações de afetividade entre o fã e aquele indivíduo, consolidando-o, enfim, como popstar. As estruturas da mídia geram mecanismos de glamourização ou vedetização que permitem personalizar figuras emblemáticas que concentram imaginários de felicidade e projeção de aspirações.
Em sua extensa tese ("Movimentos do Catolicismo Brasileiro"/UNICAMP), a pesquisadora da religião Brenda Carranza avalia que, “se aos mecanismos de projeção e de identificação, de dramaticidade, emotividade e empatia, se soma a promessa de vincular o terreno com o divino, o profano com o sagrado, traços religiosos presentes na representação do portador do sagrado, então, a vedete artística passa a ser uma vedete religiosa. Ao imaginário social que alimenta e sustenta o êxito da personagem 'profana', se soma, qualificando-a, o imaginário religioso, ampliando-se não só as potencialidades mercadológicas, mas, também, as interações culturais expressadas de maneira religiosa”.
Não pretendo discutir o grau de sinceridade da fé dos cantores gospel e suas estratégias de sobrevivência no mercado e de divulgação de mensagens evangélicas. Quero apresentar os formatos de clara acomodação à lógica de mercado relacionada ao tratamento pop-midiático dos conteúdos ditos cristãos. Se na lógica de mercado o que vale é a força da grana que ergue e destrói tradições belas (e também algumas fajutas), na lógica neopentecostal vale tudo para alcançar os não-conversos e manter a membresia; se é que o movimentado fluxo religioso contemporâneo permite ainda a quantificação de leigos membros matriculados e fixos a uma igreja.
Outro fator que não se pode discutir no meio gospel sob o risco de ser acusado de “perseguidor” dos evangélicos é a sacralização dos eventos e produtos. Como no convite de Aline Barros para a gravação ao vivo do dvd Caminhos de Milagres - grifei expressões que nitidamente fazem a clivagem adoração-comércio-show.
"Uma noite de adoração, de cura, milagres, salvação, celebração ao nosso Deus. Assim será a noite da gravação do DVD Caminho de Milagres no dia 7 de junho, no Maracanãzinho (RJ). Garanta já o seu ingresso, pois vai ser uma noite abençoada, e eu quero, junto com você, declarar um novo tempo na sua vida. Um tempo de milagres, um tempo de bênçãos sobrenaturais da parte de Deus pra sua vida e pra toda a sua casa. [...] Te espero lá!" (vídeo disponível no site da cantora).
A diretora artística da gravadora MK, Marina de Oliveira, ao falar sobre a gravação do mesmo DVD, alardeia as proporções tecno-musicais do show: “o palco é altamente high-tech com dois telões de 40 metros quadrados”, “na gravação vai acontecer, o que podemos chamar de 'duelo santo' de baterias, que está muito legal!”. Revelou-se depois que os cantores convidados ficaram “intercedendo” pelo show, em que Aline Barros cantou, “ministrou a Palavra”, “quebrantou-se” (é quando o artista-levita chora, gesticula, repete frases ad infinitum, enfim, mostra-se contrito e compungido) e dançou, que crente não é de ferro.
Por fim, antes de lançar na ExpoCristã a Agenda Aline Barros 2009 e a Bíblia Infantil Aline Barros e Cia, a cantora disse em entrevista no programa Olga Bongiovanni (RedeTV) que o DVD que lançará está “lindo, [pois] a gravadora fez tudo com excelência como manda a Palavra de Deus”. Além disso, ela diz ter “certeza de que vai abençoar multidões e impactar gerações”. Certezas, certezas. Are you shure, Aline Barros? (com trocadilho, por favor).
Seria contraproducente criticar a adoção de modelos de gestão empresariais ou o ambiente de entretenimento dos megaeventos anunciados pelo mercado gospel. Nem também a simples menção do termo “mercado” é um anátema. Afinal, é preciso saber gerir pessoas e produtos dentro de qualquer esfera de atuação econômica ou religiosa. Ademais, o entretenimento leve proporcionado por esses eventos agrega jovens conversos, promove uma identificação evangélica e confirma valores tradicionais.
Contudo, no processo de personalização e sacralização do produto (o DVD ‘abençoa’) e dos eventos (‘garanta seu ingresso pois vai ser uma noite abençoada’, ‘duelo santo’ dos instrumentos), a indústria fonográfica gospel nem de longe opera segundo uma weberiana ética protestante de poupança e segue traçando suas táticas de acordo com a nova ética neopentecostal de consumo, em que os levitas tornam-se celebridades divulgadoras de marcas e portadores inquestionáveis da unção e da benção.
A revista Backstage passou a dedicar algumas páginas ao mundo gospel. Na edição 162 (seção Boas Novas), além da agenda dos levitas e resenhas positivas de lançamentos de seus cds e dvds, há uma breve matéria que informa que “as ministrações de Aline passaram a contar com a alta qualidade dos produtos da marca Shure”. Depois, somos informados sobre os modelos que a cantora utilizará com exclusividade. Em propagandas de página inteira (revistas Igreja e UpGospel!) vê-se uma foto da cantora no palco com a legenda: “Aline Barros usa e recomenda os microfones Shure...”.
Preocupados também com o que têm para vestir, os (ad)“ministradores” da carreira da jovem cantora-pastora providenciaram um acordo com a marca Triton. O site oficial de Aline Barros assim informa: "Além do calor do público da cidade de Rio Claro, Aline também se aquece com o casaco, fashion, da loja Triton. O visual descontraído e jovial da loja Triton vestiu Aline Barros no Show que abençoou o povo da cidade”. (foto acima)
A construção da fama passa hoje obrigatoriamente pelos meios de comunicação de massa. É através da veiculação de imagens de um certo indivíduo, exibida constante e positivamente, que se estabelecem relações de afetividade entre o fã e aquele indivíduo, consolidando-o, enfim, como popstar. As estruturas da mídia geram mecanismos de glamourização ou vedetização que permitem personalizar figuras emblemáticas que concentram imaginários de felicidade e projeção de aspirações.
Em sua extensa tese ("Movimentos do Catolicismo Brasileiro"/UNICAMP), a pesquisadora da religião Brenda Carranza avalia que, “se aos mecanismos de projeção e de identificação, de dramaticidade, emotividade e empatia, se soma a promessa de vincular o terreno com o divino, o profano com o sagrado, traços religiosos presentes na representação do portador do sagrado, então, a vedete artística passa a ser uma vedete religiosa. Ao imaginário social que alimenta e sustenta o êxito da personagem 'profana', se soma, qualificando-a, o imaginário religioso, ampliando-se não só as potencialidades mercadológicas, mas, também, as interações culturais expressadas de maneira religiosa”.
Não pretendo discutir o grau de sinceridade da fé dos cantores gospel e suas estratégias de sobrevivência no mercado e de divulgação de mensagens evangélicas. Quero apresentar os formatos de clara acomodação à lógica de mercado relacionada ao tratamento pop-midiático dos conteúdos ditos cristãos. Se na lógica de mercado o que vale é a força da grana que ergue e destrói tradições belas (e também algumas fajutas), na lógica neopentecostal vale tudo para alcançar os não-conversos e manter a membresia; se é que o movimentado fluxo religioso contemporâneo permite ainda a quantificação de leigos membros matriculados e fixos a uma igreja.
Outro fator que não se pode discutir no meio gospel sob o risco de ser acusado de “perseguidor” dos evangélicos é a sacralização dos eventos e produtos. Como no convite de Aline Barros para a gravação ao vivo do dvd Caminhos de Milagres - grifei expressões que nitidamente fazem a clivagem adoração-comércio-show.
"Uma noite de adoração, de cura, milagres, salvação, celebração ao nosso Deus. Assim será a noite da gravação do DVD Caminho de Milagres no dia 7 de junho, no Maracanãzinho (RJ). Garanta já o seu ingresso, pois vai ser uma noite abençoada, e eu quero, junto com você, declarar um novo tempo na sua vida. Um tempo de milagres, um tempo de bênçãos sobrenaturais da parte de Deus pra sua vida e pra toda a sua casa. [...] Te espero lá!" (vídeo disponível no site da cantora).
A diretora artística da gravadora MK, Marina de Oliveira, ao falar sobre a gravação do mesmo DVD, alardeia as proporções tecno-musicais do show: “o palco é altamente high-tech com dois telões de 40 metros quadrados”, “na gravação vai acontecer, o que podemos chamar de 'duelo santo' de baterias, que está muito legal!”. Revelou-se depois que os cantores convidados ficaram “intercedendo” pelo show, em que Aline Barros cantou, “ministrou a Palavra”, “quebrantou-se” (é quando o artista-levita chora, gesticula, repete frases ad infinitum, enfim, mostra-se contrito e compungido) e dançou, que crente não é de ferro.
Por fim, antes de lançar na ExpoCristã a Agenda Aline Barros 2009 e a Bíblia Infantil Aline Barros e Cia, a cantora disse em entrevista no programa Olga Bongiovanni (RedeTV) que o DVD que lançará está “lindo, [pois] a gravadora fez tudo com excelência como manda a Palavra de Deus”. Além disso, ela diz ter “certeza de que vai abençoar multidões e impactar gerações”. Certezas, certezas. Are you shure, Aline Barros? (com trocadilho, por favor).
Seria contraproducente criticar a adoção de modelos de gestão empresariais ou o ambiente de entretenimento dos megaeventos anunciados pelo mercado gospel. Nem também a simples menção do termo “mercado” é um anátema. Afinal, é preciso saber gerir pessoas e produtos dentro de qualquer esfera de atuação econômica ou religiosa. Ademais, o entretenimento leve proporcionado por esses eventos agrega jovens conversos, promove uma identificação evangélica e confirma valores tradicionais.
Contudo, no processo de personalização e sacralização do produto (o DVD ‘abençoa’) e dos eventos (‘garanta seu ingresso pois vai ser uma noite abençoada’, ‘duelo santo’ dos instrumentos), a indústria fonográfica gospel nem de longe opera segundo uma weberiana ética protestante de poupança e segue traçando suas táticas de acordo com a nova ética neopentecostal de consumo, em que os levitas tornam-se celebridades divulgadoras de marcas e portadores inquestionáveis da unção e da benção.
Comentários
tenho me atentado para esta tendência mercadológica e não teria tantos problemas com a mesma se ela seguisse critérios de qualidade de apresentação... portanto não tenho dificuldades em ver a Aline Barros sendo 'endorser' da Shure (já que a Shure aparentemente acha que isso ajudará em sua imagem), pois este produto, que faz parte direta da sua comunicação e apresentação musical, tem a ver com sua profissão, vocação ou eleição (como queiram)...
agora fazer questão de mencionar que usa uma marca em detrimento de outra tem um cunho comercial não justificável a meu ver e de fato passa ser um instrumento de manipular os fãs (e não fiéis) de forma consumista
acredito também que podemos afirmas que apresentações de música religiosa irão nos abençoar (em termos idealistas) e não vejo problemas em atrelar isso à compra de ingressos, pois sem o mesmo vc não entra... mas acredito que seja um necessidade do artista às vezes abençoar os fiéis sem custo aparecendo de surpresa em congregações carentes, sem grande número de pessoas, para que elas também recebam ministração pela palavra cantada e para que o artista não perca a noção da realidade, pois desta forma ele também irá encontrar pessoas que não o conhecem.
que Deus preserve os nossos artistas religiosos e que eles sejam significantes e espirituais...
PS: não curto esse esquema de louvorzão repetidíssimo, mas tenho que destacar o ministério da Ana Paula Valadão Bessa e da Alessandra Samadello junto ao público infantil... muito diferente em qualidade e profundidade do que todos os outros que conheço (incluindo da Aline)
e olha que eu conheço obrigatoriamente alguns (coisas de pai)
nos vídeos, ela é uma empolgação só. pra mim, ela tava querendo encher o local de crentes pra gravar seu dvd ao vivo e os mesmos comprarem depois.
igualzinho as claudias leite e ivete sangalos da vida. se um dia eu for uma convertida, talvez eu caia direitinho tb.
bjs, bjs
mudando de assunt.vc viu o novo dvd da martha argerich?
espero que esta não seja a única impressão que você tenha da música cristã. é preciso conhecer um pouco mais a fundo.
grande sérgio,
pela primeira vez vc comenta o assunto gospel.quanto à música de aline barros, ela não foi objeto de minha discussão. e infelizmente ainda não vi o dvd da argerich. vc se refere ao 'conversas noturnas'?
mr. andré (args),
sempre bem-vindo. de fato, uma coisa é usar, outra é receber vantagens da marca que se usa (e divulgá-la comercialmente).
o problema do convite que aline barros faz para a gravação do dvd pode ser notado na frase "compre já seu ingresso POIS será uma noite abençoada". o POIS vincula a compra do ingresso à benção.
frases assim se tornaram slogans do meio gospel.
não conheço o trabalho dos valadão na música infantil.