Logo após o ataque terrorista do 11/9/2001, circulou um e-mail em que visualizava-se o que parecia ser um rosto na formação de nuvens de poeira e fumaça que saía das Torres Gêmeas. O autor anônimo não tinha dúvidas: era "o rosto do diabo".
Quem divulgou o e-mail certamente nunca viu o dono do rosto. Então, isso só tinha um objetivo: demonizar os autores do ataque terrorista. É claro que o atentado de 11/9 foi um ato terrível e nada celestial. Mas não há notícia de imagens que mostrem uma ‘face do mal’ no cogumelo atômico produzido pelas bombas americanas sobre o Japão, ou nas nuvens de napalm sobre o Vietnã, ou nos destroços causados por terremotos e tsunamis.
Hollywood passou décadas representando o “outro”, o estrangeiro, com todos os estereótipos possíveis. O latino sujo e barulhento, o italiano passional e teatral, o francês esnobe e arrogante, o russo espião e conspirador. Mas o pior tratamento foi relegado aos árabes. Apesar de toda a riqueza cultural e diversidade étnica do Oriente Médio, o árabe no filme de ação é o sujeito que mata sem piedade, não tem bons modos, fala uma língua ininteligível e é um fanático religioso e bruto.
Essa caricatura de árabe era o vilão preferencial dos filmes dos anos 1980. Águia de Aço I (1985) e II (1988) retratam os árabes como sádicos e perversos e os americanos como heróis que aniquilam os vilões. Em Comando Delta (1986), Chuck Norris e sua turma partem para libertar americanos e europeus sequestrados por palestinos; Pelotão da Vingança (1987) opõe os “maus” árabes contra os “bons” israelenses e americanos.
Uma marca de alguns desses filmes é expressar temores populistas em relação ao Outro malvado. Sim, o Outro é sempre o vilão. E pior: este Outro não tem rosto, não tem voz, como em Amanhecer Sangrento, Supercomando e Invasion USA. Em Ases Indomáveis (1986), o inimigo não é tão importante quanto o desfile de motos, óculos escuros e baladas românticas. Em Rocky IV (1986) Sylvester Stallone encarna o espírito belicoso da Era Reagan, chegando a trajar calções com a estampa da bandeira norte-americana e enfrentar no ringue um brutamontes soviético. No filme, Stallone ri, chora e sofre ao passo que seu oponente tem gestos mecânicos e não expressa emoções.
Há também filmes que fazem uma crítica ao papel americano de xerife do mundo. Apesar de certo sentimentalismo (com uso meloso da câmera lenta e do Adágio para Cordas, de Samuel Barber), Platoon (1986) mostra as neuroses de um pelotão no Vietnã; Nascido para Matar (1987) desconstrói os mecanismos que estruturam a guerra (preparação, informação e combate); Missing – O Desaparecido (1982) e Salvador (1986) contestam o intervencionismo americano na América Latina.
Para conhecer o outro, é preciso adentrar na sua cultura, saber de seus anseios e necessidades. Portanto, se você quer mais do que diversão cinematográfica e espetaculosa, se você não se importa com o idioma de origem mas com a qualidade do filme, me permita as sugestões:
Paradise Now (foto acima, 2005) – filme palestino sobre dois amigos de infância recrutados para um ataque suicida em Tel-Aviv. Os personagens são humanizados e têm dúvidas, inseguranças e outras vontades.
Munique (2005) - a retaliação infinita entre israelenses e palestinos aponta para o resultado catastrófico da intolerância (a cena final com as Torres Gêmeas ao fundo).
Filhos do Paraíso (1997) – cativante história de duas crianças iranianas às voltas com a perda de um par de sapatos.
Lemon Tree (foto ao lado, 2008) - uma viúva palestina vai à justiça contra o primeiro-ministro israelense (seu novo vizinho) que, por motivos de segurança, pretende derrubar sua plantação de limões.
Lawrence da Arábia (1962) – não se assuste com a idade do filme. Este grande épico não é falado em língua árabe, mas foi um dos primeiros a dar voz e vez aos homens da região. Como em Cruzada (2005), os árabes são seres com inteligência e dignidade.
Alguém pode dizer que os filmes que critiquei são apenas entretenimento passageiro. Ora, isso eles são mesmo. São só diversão de mentirinha. Porém, quando uma mentira é repetida constantemente, ela pouco a pouco passa a ser aceita como verdade. Por isso, é preciso que sejamos apresentados a outros olhares. Porque, ver o outro como um de nós, dotado de sentimentos, temores e esperanças, ajuda a perceber que todos os seres humanos somos muito parecidos, muito mais próximos do que imagina nossa vã ideologia.
Quem divulgou o e-mail certamente nunca viu o dono do rosto. Então, isso só tinha um objetivo: demonizar os autores do ataque terrorista. É claro que o atentado de 11/9 foi um ato terrível e nada celestial. Mas não há notícia de imagens que mostrem uma ‘face do mal’ no cogumelo atômico produzido pelas bombas americanas sobre o Japão, ou nas nuvens de napalm sobre o Vietnã, ou nos destroços causados por terremotos e tsunamis.
Hollywood passou décadas representando o “outro”, o estrangeiro, com todos os estereótipos possíveis. O latino sujo e barulhento, o italiano passional e teatral, o francês esnobe e arrogante, o russo espião e conspirador. Mas o pior tratamento foi relegado aos árabes. Apesar de toda a riqueza cultural e diversidade étnica do Oriente Médio, o árabe no filme de ação é o sujeito que mata sem piedade, não tem bons modos, fala uma língua ininteligível e é um fanático religioso e bruto.
Essa caricatura de árabe era o vilão preferencial dos filmes dos anos 1980. Águia de Aço I (1985) e II (1988) retratam os árabes como sádicos e perversos e os americanos como heróis que aniquilam os vilões. Em Comando Delta (1986), Chuck Norris e sua turma partem para libertar americanos e europeus sequestrados por palestinos; Pelotão da Vingança (1987) opõe os “maus” árabes contra os “bons” israelenses e americanos.
Uma marca de alguns desses filmes é expressar temores populistas em relação ao Outro malvado. Sim, o Outro é sempre o vilão. E pior: este Outro não tem rosto, não tem voz, como em Amanhecer Sangrento, Supercomando e Invasion USA. Em Ases Indomáveis (1986), o inimigo não é tão importante quanto o desfile de motos, óculos escuros e baladas românticas. Em Rocky IV (1986) Sylvester Stallone encarna o espírito belicoso da Era Reagan, chegando a trajar calções com a estampa da bandeira norte-americana e enfrentar no ringue um brutamontes soviético. No filme, Stallone ri, chora e sofre ao passo que seu oponente tem gestos mecânicos e não expressa emoções.
Há também filmes que fazem uma crítica ao papel americano de xerife do mundo. Apesar de certo sentimentalismo (com uso meloso da câmera lenta e do Adágio para Cordas, de Samuel Barber), Platoon (1986) mostra as neuroses de um pelotão no Vietnã; Nascido para Matar (1987) desconstrói os mecanismos que estruturam a guerra (preparação, informação e combate); Missing – O Desaparecido (1982) e Salvador (1986) contestam o intervencionismo americano na América Latina.
Para conhecer o outro, é preciso adentrar na sua cultura, saber de seus anseios e necessidades. Portanto, se você quer mais do que diversão cinematográfica e espetaculosa, se você não se importa com o idioma de origem mas com a qualidade do filme, me permita as sugestões:
Paradise Now (foto acima, 2005) – filme palestino sobre dois amigos de infância recrutados para um ataque suicida em Tel-Aviv. Os personagens são humanizados e têm dúvidas, inseguranças e outras vontades.
Munique (2005) - a retaliação infinita entre israelenses e palestinos aponta para o resultado catastrófico da intolerância (a cena final com as Torres Gêmeas ao fundo).
Filhos do Paraíso (1997) – cativante história de duas crianças iranianas às voltas com a perda de um par de sapatos.
Lemon Tree (foto ao lado, 2008) - uma viúva palestina vai à justiça contra o primeiro-ministro israelense (seu novo vizinho) que, por motivos de segurança, pretende derrubar sua plantação de limões.
Lawrence da Arábia (1962) – não se assuste com a idade do filme. Este grande épico não é falado em língua árabe, mas foi um dos primeiros a dar voz e vez aos homens da região. Como em Cruzada (2005), os árabes são seres com inteligência e dignidade.
Alguém pode dizer que os filmes que critiquei são apenas entretenimento passageiro. Ora, isso eles são mesmo. São só diversão de mentirinha. Porém, quando uma mentira é repetida constantemente, ela pouco a pouco passa a ser aceita como verdade. Por isso, é preciso que sejamos apresentados a outros olhares. Porque, ver o outro como um de nós, dotado de sentimentos, temores e esperanças, ajuda a perceber que todos os seres humanos somos muito parecidos, muito mais próximos do que imagina nossa vã ideologia.
Comentários
você está certo. mas em Platoon há crítica contra a violência gratuita de soldados americanos em relação à população civil. O inimigo é mostrado ora como vítima ora como algoz, assim como a juventude lançada na guerra.