Os super-heróis estão cada vez mais super-humanos. Em um passado não tão distante, Superman, Batman e Homem-Aranha eram seres mais preocupados em estragar os planos do vilão do que com a ética de suas próprias ações, mais ocupados em proteger a dupla identidade do que em debater-se com a esquizofrenia de sua dupla face.
Agora, os heróis estão mais próximos das desilusões e traumas humanos. O componente psicológico, mais do que o físico, dita as aventuras menos super e mais dark. O Superman não está mais naquele patamar inquestionável de protetor da humanidade. O Homem-Aranha se divide entre as grandes responsabilidades advindas de grandes poderes e o simples desejo de agradar a moça a quem ama. Batman é um incompreendido que vaga noite adentro movido mais pela vingança do que pela justiça. Nem as animações escaparam à sanha psico-humanizadora dos roteiristas da moda em Roliúdi. Em Os Incríveis, a família de ex-super-heróis aprende que, tão difícil quanto salvar o mundo, é salvar o casamento e saldar as dívidas.
Estes exemplos mostram que o espectador está preferindo heróis que não finjam sentir a dor que deveras sentem? Ou isso tudo é uma tentativa de transportar as histórias de super-heróis do terreno do entretenimento leve para a tragédia grega, e assim, obter uma credibilidade dramatúrgico-moral que nunca tiveram? Será que o Batman de Frank Miller quer ser como Macbeth, de Shakespeare?
Os últimos lançamentos de filmes de super-heróis demasiadamente humanos demonstram que os roteiristas andaram tomando gosto por Spinoza e Kant. Mas, afinal, isso deixa o resultado fílmico melhor ou pior? Pra ficar no terreiro filosófico, depende. Se a vontade era lustrar os personagens com o verniz da humanidade, que mal haveria. É possível que, em vez de projetarmos nossas vãs fantasias de superpoderes nos heróis, venhamos a questionar o papel dos heróis irreais em nosso cotidiano. Mas, pra usar o fraco de outro herói, essa discussão é o calcanhar-de-aquiles dos gibis transformados em filmes, haja vista que esse superherói tão psicologizado pode soar apenas como mera pretensão cinematográfica. Ou seja, receando a associação com a diversão rápida e barulhenta das aventuras em série, os produtores, diretores e roteiristas carregam seu personagem e sua história com metafísica, ética e meandros sociológicos.
Batman, por não ter recursos sobrehumanos como seus colegas de profissão, seria o personagem mais adequado à sobrecarga de tensão psicologizante. No recente O Cavaleiro das Trevas, ele se transformou num indivíduo em quem não se pode confiar. Suas reações são movidas por impulso e, como nenhum outro herói pop, ele é submetido às mais atordoantes questões existenciais. Quem é Batman, de fato? Suas ações são politicamente aceitáveis? Sua noção de justiça está pondo em risco a vida de pessoas que lhe são próximas? Enfim, Batman é como a polícia naquela canção: Batman para quem precisa de Batman (para quem? quem precisa?)
Os vários personagens do filme são confrontados com dilemas éticos. Batman precisa escolher entre a vida da mulher que ama e a cidade que pede um herói mais sereno e justo, e sobretudo, juridicamente legal. Esse novo herói, o promotor público Harvey Dent, será levado a níveis insanos de escolhas morais. A coletividade social está representada não apenas pelos protagonistas da história. Em dois barcos, dois grupos distintos da coletividade: de um lado, cidadãos comuns e mulheres com crianças, aquilo que representamos como pessoas de bem; de outro, presidiários, aquilo que se convencionou chamar de escória da sociedade. Ambos os grupos com o poder de destruir um ao outro.
Envolvido em todas as tramas, está a figura do Coringa, um provocador doentio que leva ao grau máximo de paroxismo as demandas éticas individuais e sociais. O Coringa entende os códigos que regem as condutas dos governantes, dos criminosos e da população em geral. Porém, em vez de agir em busca de reforma (ou revolução), ele prega o caos e a anarquia como modelo de confrontação política. Para ele, o ser humano corromperá a alma diante dos apelos da sobrevivência; Batman, no entanto, ainda crê que os homens podem tomar decisões eticamente sustentáveis e mais justas. E pode apostar, essa mistura de entretenimento com tintas teatrais de religião e sociologia não é gratuita.
Sim, todo esse drama existencial pode submergir na parafernália de som alto, montagem veloz e efeitos visuais. Sim, é válido reclamar da seriedade pretensiosa do que deveria ser só um passatempo esquecível. No entanto, quando o Coringa pergunta sarcasticamente à Batman por que ele é/está tão sério (why so serious?), alguém vai notar que até Batman tem seus dias de Macbeth.
Agora, os heróis estão mais próximos das desilusões e traumas humanos. O componente psicológico, mais do que o físico, dita as aventuras menos super e mais dark. O Superman não está mais naquele patamar inquestionável de protetor da humanidade. O Homem-Aranha se divide entre as grandes responsabilidades advindas de grandes poderes e o simples desejo de agradar a moça a quem ama. Batman é um incompreendido que vaga noite adentro movido mais pela vingança do que pela justiça. Nem as animações escaparam à sanha psico-humanizadora dos roteiristas da moda em Roliúdi. Em Os Incríveis, a família de ex-super-heróis aprende que, tão difícil quanto salvar o mundo, é salvar o casamento e saldar as dívidas.
Estes exemplos mostram que o espectador está preferindo heróis que não finjam sentir a dor que deveras sentem? Ou isso tudo é uma tentativa de transportar as histórias de super-heróis do terreno do entretenimento leve para a tragédia grega, e assim, obter uma credibilidade dramatúrgico-moral que nunca tiveram? Será que o Batman de Frank Miller quer ser como Macbeth, de Shakespeare?
Os últimos lançamentos de filmes de super-heróis demasiadamente humanos demonstram que os roteiristas andaram tomando gosto por Spinoza e Kant. Mas, afinal, isso deixa o resultado fílmico melhor ou pior? Pra ficar no terreiro filosófico, depende. Se a vontade era lustrar os personagens com o verniz da humanidade, que mal haveria. É possível que, em vez de projetarmos nossas vãs fantasias de superpoderes nos heróis, venhamos a questionar o papel dos heróis irreais em nosso cotidiano. Mas, pra usar o fraco de outro herói, essa discussão é o calcanhar-de-aquiles dos gibis transformados em filmes, haja vista que esse superherói tão psicologizado pode soar apenas como mera pretensão cinematográfica. Ou seja, receando a associação com a diversão rápida e barulhenta das aventuras em série, os produtores, diretores e roteiristas carregam seu personagem e sua história com metafísica, ética e meandros sociológicos.
Batman, por não ter recursos sobrehumanos como seus colegas de profissão, seria o personagem mais adequado à sobrecarga de tensão psicologizante. No recente O Cavaleiro das Trevas, ele se transformou num indivíduo em quem não se pode confiar. Suas reações são movidas por impulso e, como nenhum outro herói pop, ele é submetido às mais atordoantes questões existenciais. Quem é Batman, de fato? Suas ações são politicamente aceitáveis? Sua noção de justiça está pondo em risco a vida de pessoas que lhe são próximas? Enfim, Batman é como a polícia naquela canção: Batman para quem precisa de Batman (para quem? quem precisa?)
Os vários personagens do filme são confrontados com dilemas éticos. Batman precisa escolher entre a vida da mulher que ama e a cidade que pede um herói mais sereno e justo, e sobretudo, juridicamente legal. Esse novo herói, o promotor público Harvey Dent, será levado a níveis insanos de escolhas morais. A coletividade social está representada não apenas pelos protagonistas da história. Em dois barcos, dois grupos distintos da coletividade: de um lado, cidadãos comuns e mulheres com crianças, aquilo que representamos como pessoas de bem; de outro, presidiários, aquilo que se convencionou chamar de escória da sociedade. Ambos os grupos com o poder de destruir um ao outro.
Envolvido em todas as tramas, está a figura do Coringa, um provocador doentio que leva ao grau máximo de paroxismo as demandas éticas individuais e sociais. O Coringa entende os códigos que regem as condutas dos governantes, dos criminosos e da população em geral. Porém, em vez de agir em busca de reforma (ou revolução), ele prega o caos e a anarquia como modelo de confrontação política. Para ele, o ser humano corromperá a alma diante dos apelos da sobrevivência; Batman, no entanto, ainda crê que os homens podem tomar decisões eticamente sustentáveis e mais justas. E pode apostar, essa mistura de entretenimento com tintas teatrais de religião e sociologia não é gratuita.
Sim, todo esse drama existencial pode submergir na parafernália de som alto, montagem veloz e efeitos visuais. Sim, é válido reclamar da seriedade pretensiosa do que deveria ser só um passatempo esquecível. No entanto, quando o Coringa pergunta sarcasticamente à Batman por que ele é/está tão sério (why so serious?), alguém vai notar que até Batman tem seus dias de Macbeth.
Comentários
acredito que uma análise entre os três personagens mais complexos renderia umas boas discussões: batman, dare-devil e ironman. os três sem poderes sobrenaturais, mas completamente distintos
forte abraço
segundo alguns analistas, as HQs têm oferecido mais do que a matéria-prima (história de super-heróis) para o cinema, elas têm desenvolvido uma abordagem humanizante que as adaptações de Roliúdi fazem questão de copiar.