Em meados dos anos 1960, o debate cultural-ideológico da hora dividia os músicos brasileiros em dois grupos: de um lado, a turma das jovens tardes de domingo cujas canções falavam de romances e aventuras despreocupadas. O trio de destaque era formado por Roberto Carlos, Vanderléia e Erasmo Carlos. De outro lado, estava o grupo que frequentava festivais de música popular cujas canções preferidas criticavam a repressão militar e incentivavam a resistência política. Geraldo Vandré, Edu Lobo e Chico Buarque destacavam-se como a voz rouca dos estudantes politizados.
O primeiro grupo introduzia a guitarra elétrica na música feita no Brasil; o segundo grupo fazia uma “Passeata contra a guitarra elétrica” nas ruas do Rio. Os primeiros não ignoravam o golpe militar (chamado à época de “revolução”), mas preferiam cantar sobre bailinhos e carrões, e se estivessem aquecidos no inverno, então que tudo mais fosse pro inferno.
O segundo grupo protestava contra o regime autoritário imposto ao país e anunciava que quem sabe faz a hora e não espera acontecer. Em conjunto com a forte crítica anti-imperialista, este grupo recusava a cultura anglo-saxã e valorizava a cultura popular nacional. Declaravam-se engajados, em oposição ao primeiro grupo, tachado de alienados.
Os “alienados” bebiam na fonte do rock’n’roll norte-americano mais comportado (comportado para os cantores e a crítica, pois para os pais, avós e xerifes qualquer guitarra e cabelo comprido era uma afronta). Os “engajados” empunhavam violões e pandeiros e adotavam o baião e o samba.
As igrejas cristãs mais intelectualizadas transferiram esse debate para o domínio da música sacra. Começou-se a compor em língua nativa, isto é, no idioma musical brasileiro. Cristãos mais politizados passavam a combater o bom combate em duas frentes: a política e o evangelismo. Sua música, ao mesmo tempo em que protestava contra a passividade política também criticava a letargia espiritual. Queixavam-se, ainda, da ênfase num repertório baseado em hinos e canções de origem estrangeira, o que configurava, para aqueles compositores, um indício do imperialismo econômico e cultural.
Os grupos tradicionais das igrejas protestantes, que já se opunham às guitarras e baterias trazidas pela nova geração de músicos, confrontavam agora as canções religiosas socialmente engajadas. Como fruto da politização dos estudantes, e também do envolvimento com a Teologia da Libertação, surgiu o movimento denominado MPBR, Música Popular Religiosa Brasileira, composto por Jaci Maraschin, Laan Mendes de Barros, Simei Monteiro, entre outros.
Os debates sobre a introdução de estilos nacionais na liturgia geraram hinários como A canção do Senhor na terra brasileira e O novo canto da terra, ambos reunindo canções que reagiam contra a “alienação social dos hinos importados”.
Trechos de algumas canções nos ajudam a compreender melhor a influência do nacionalismo musical e da teologia da libertação:
Benção da Mesa (Jaci Maraschin)
Senhor, Te damos graças porque em volta desta mesa
Renova-nos a força de lutar contra a pobreza
...Senhor, que os nossos pratos, numa terra dividida
Um dia se dividam numa terra reunida
Saudade da pátria (Valdomiro P. de Oliveira)
E o nosso louvor não é nossa canção:
Não é um samba, uma modinha, um chorinho nem baião
Elevamos ao Senhor o cântico impingido pelos opressores:
No seu ritmo, na sua instrumentação
...Se não preferirmos a canção brotada
Desse chão menino, brasileiro, latino,
Que a nossa língua apegue-se ao paladar
E que não possamos mais cantar
A poética dos versos não esconde certa xenofobia que recusa a cultura estrangeira em favor da cultura nacional, caracterizando sentimentos de ufanismo (como diz a última estrofe, seria melhor ficar mudo que cantar hinos não-brasileiros). Se doutrinas bíblicas fossem cantadas desse modo, seriam acusadas de fundamentalismo na hora.
No entanto, as músicas protestantes socialmente engajadas encontraram forte resistência:
1- O público mais afeito a inovações, os jovens, preferia rocks e baladas norte-americanas em vez da música brasileira, secular ou cristã.
O primeiro grupo introduzia a guitarra elétrica na música feita no Brasil; o segundo grupo fazia uma “Passeata contra a guitarra elétrica” nas ruas do Rio. Os primeiros não ignoravam o golpe militar (chamado à época de “revolução”), mas preferiam cantar sobre bailinhos e carrões, e se estivessem aquecidos no inverno, então que tudo mais fosse pro inferno.
O segundo grupo protestava contra o regime autoritário imposto ao país e anunciava que quem sabe faz a hora e não espera acontecer. Em conjunto com a forte crítica anti-imperialista, este grupo recusava a cultura anglo-saxã e valorizava a cultura popular nacional. Declaravam-se engajados, em oposição ao primeiro grupo, tachado de alienados.
Os “alienados” bebiam na fonte do rock’n’roll norte-americano mais comportado (comportado para os cantores e a crítica, pois para os pais, avós e xerifes qualquer guitarra e cabelo comprido era uma afronta). Os “engajados” empunhavam violões e pandeiros e adotavam o baião e o samba.
As igrejas cristãs mais intelectualizadas transferiram esse debate para o domínio da música sacra. Começou-se a compor em língua nativa, isto é, no idioma musical brasileiro. Cristãos mais politizados passavam a combater o bom combate em duas frentes: a política e o evangelismo. Sua música, ao mesmo tempo em que protestava contra a passividade política também criticava a letargia espiritual. Queixavam-se, ainda, da ênfase num repertório baseado em hinos e canções de origem estrangeira, o que configurava, para aqueles compositores, um indício do imperialismo econômico e cultural.
Os grupos tradicionais das igrejas protestantes, que já se opunham às guitarras e baterias trazidas pela nova geração de músicos, confrontavam agora as canções religiosas socialmente engajadas. Como fruto da politização dos estudantes, e também do envolvimento com a Teologia da Libertação, surgiu o movimento denominado MPBR, Música Popular Religiosa Brasileira, composto por Jaci Maraschin, Laan Mendes de Barros, Simei Monteiro, entre outros.
Os debates sobre a introdução de estilos nacionais na liturgia geraram hinários como A canção do Senhor na terra brasileira e O novo canto da terra, ambos reunindo canções que reagiam contra a “alienação social dos hinos importados”.
Trechos de algumas canções nos ajudam a compreender melhor a influência do nacionalismo musical e da teologia da libertação:
Benção da Mesa (Jaci Maraschin)
Senhor, Te damos graças porque em volta desta mesa
Renova-nos a força de lutar contra a pobreza
...Senhor, que os nossos pratos, numa terra dividida
Um dia se dividam numa terra reunida
Saudade da pátria (Valdomiro P. de Oliveira)
E o nosso louvor não é nossa canção:
Não é um samba, uma modinha, um chorinho nem baião
Elevamos ao Senhor o cântico impingido pelos opressores:
No seu ritmo, na sua instrumentação
...Se não preferirmos a canção brotada
Desse chão menino, brasileiro, latino,
Que a nossa língua apegue-se ao paladar
E que não possamos mais cantar
A poética dos versos não esconde certa xenofobia que recusa a cultura estrangeira em favor da cultura nacional, caracterizando sentimentos de ufanismo (como diz a última estrofe, seria melhor ficar mudo que cantar hinos não-brasileiros). Se doutrinas bíblicas fossem cantadas desse modo, seriam acusadas de fundamentalismo na hora.
No entanto, as músicas protestantes socialmente engajadas encontraram forte resistência:
1- O público mais afeito a inovações, os jovens, preferia rocks e baladas norte-americanas em vez da música brasileira, secular ou cristã.
2- As lideranças mais tradicionais rejeitavam os estilos nacionais como uma pedra de escândalo. O samba e o baião remetiam a fortes conotações de “mundanismo” e não serviam aos propósitos litúrgicos determinados.
3- As letras daquelas canções apresentavam um alto teor de denúncia social e politização, o que assustava as mentes politicamente mais conservadoras e, também, poderia associar a igreja aos movimentos estudantis que radicalizavam a resistência política.
4- Nascida no meio católico, a teologia da libertação misturava Bíblia e marxismo e visava à libertação política e espiritual das camadas populares marginalizadas. Enquanto o Vaticano bania padres ligados ao movimento, os setores protestantes não apoiavam a aproximação do grupo de compositores da MPBR com a teologia da libertação, o que trouxe prejuízos à disseminação do novo estilo litúrgico.
Assim, a música brasileira religiosa era culta demais para os mais jovens, mundana demais para os tradicionalistas, comunista demais para os conservadores e católica demais para o protestantismo. O único estilo nacional relativamente aceito continuou a ser a canção sertaneja, adotada pelos pentecostais desde os anos 50. Neste novo século, mesmo com a formação de uma sólida indústria fonográfica gospel, os gêneros ditos brasileiros ainda encontram oposição nas igrejas de origem protestante histórica/tradicional. Mas isso já é assunto para uma outra semana.
Comentários
1-Rejeição completa do que vem de fora é bobagem, porque somos uma cultura sob intenso processo de transformação e consolidação, numa época de globalização, até em 1970;
2-Os hinários taxados de "americanizados" refletem a influência de muitas culturas, inclusive culturas latinas, como a italiana e a portuguesa, às quais nos ligamos com mais estreitamento;
3-É de se perguntar quais elementos culturais do nosso Brasil em brasa são mais apropriados para o culto. A simples introdução de ritmos brasileiros à liturgia, como o samba, pode ser uma adequação forçada, levando em consideração que a semântica religiosa e bíblica e a semântica da cultura do samba enredo, do samba de roda, do partido alto, etc, sirvam a propósitos diferentes;
4-Como a cultura pop rock prevaleceu no mundo a cultura pop rock parece ter prevalecido nos templos.
Mas vamo lá: se nem o próprio cristianismo (se preferir, leia "cristo") é brasileiro, verde-amarelar vai tornar a expressão espiritual mais sincera ou genuina? O pacote (romano no fundamento, alemão pela reforma, e americano pelo óbvio da cultura pop) vem com o kit completo.
O que me interessa é gente intelectual e engajada na igreja. Coisa boa!
Violabrito, você disse muito bem.
"verde-amarelar vai tornar a expressão espiritual mais sincera ou genuina?"
victor, é exatamente essa a pergunta. o engajamento da cultura nacional-popular soa à romantização ufanista.
o mito da autenticidade cultural-geográfica leva a esse "nacionalizar" da liturgia.