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mozart, ou a inveja que mata é um mito

Antes de morrer em 1791, aos 35 anos, Wolfgang Amadeus Mozart já se sentia derrotado pela vida. Suas dívidas aumentavam. A alta sociedade deu-lhe as costas. Morreu com a sensação de que sua existência fora um fracasso. Duas fontes que alimentavam sua autoestima e senso de importância estavam quase secas: o amor de uma mulher em quem pudesse confiar, e o amor do público de Viena por sua música. Por algum tempo ele tivera a ambos. Mas há razões para crer que, em seus últimos anos de vida, ele sentia cada vez mais que perdera os dois.

Em matéria sobre o assunto, a revista SuperInteressante acerta quando diz que não há vestígios de que Antonio Salieri, compositor da corte do imperador José II, teria envenenado Mozart porque invejava seu talento. Essa estória não é hollywoodiana, apesar do ótimo filme Amadeus (1984), e vem da mania romântica do século XIX de dar aos gênios uma história de martírio social e melodrama individual.

Mas a revista erra ao supor que Mozart é que poderia ter inveja de Salieri. Salieri não foi um músico medíocre, e ensinou compositores como Beethoven, Schubert, Liszt e Czerny (claro, antes destes serem o que vieram a ser).

Contudo, Salieri representava tudo o que Mozart não desejava para si: ser um empregado da corte. Enquanto trabalhou para o príncipe de Salzburgo, Mozart identificava-se com a nobreza da corte e seu gosto, mas desgostava da afetação dos aristocratas e ressentia-se da humilhação a que lhe submetiam, principalmente em razão de sua origem social (seu pai vinha de uma família de artesãos). Além disso, os músicos eram meros serviçais – costumavam entrar pela porta dos fundos e comiam com a criadagem, por exemplo. Devido a sua arte distinta, Mozart tinha permissão para jantar à mesa de cortesãos, normalmente em troca de uma execução ao piano.

O fato é que Mozart pediu dispensa do seu posto permanente na corte de Salzburgo e rumou para Viena a fim de construir para si uma carreira de maior autonomia de criação e relação social. Suas óperas passaram a fugir do tradicional receituário "elegante" esperado pelo público; algumas de suas obras instrumentais apresentavam inovações, embora vez ou outra tivesse de fazer concessões ao gosto do público do qual vinha sua renda. As cortes financiavam a produção de óperas e assinavam listas de frequência a concertos. Ou seja, Mozart continuava dependendo da audiência da corte para sobreviver fora dela.

Acontece que a música tinha a função primordial de agradar aos senhores e senhoras da classe dominante, e não de evocar sentimentos pessoais. E Mozart já não era aquela criança que ia de palácio em palácio como um bichinho de circo a se exibir para as madames e reis. Sua personalidade e sua vontade criativa não se moldavam àquela sociedade.

Seu rompimento com a corte de Salzburgo repercutiu entre os cortesãos, o que fez despencar as encomendas por novas músicas. Em carta ao pai, Mozart conta como o conde Colloredo o humilhara. Seu pai lhe pede várias vezes para que se sujeite aos empregadores. Isso acabou levando Mozart a revoltar-se com a atitude subserviente do pai.

Mozart foi abandonado pela alta sociedade vienense devido a sua busca de autonomia numa época de dependência financeira e social da aristocracia de corte, e não devido à inveja alheia. Anos depois da morte de Mozart, Beethoven conseguiria construir uma sólida carreira independente da corte. Eram outros tempos, em que a ascendente burguesia, copiando as ações da agora decadente corte, atuava no patronato artístico e ia a concertos.

É provável que, se Mozart quisesse ter sido como Salieri, lhe bastasse permanecer como um subordinado na corte a compor tudo-o-que-o-seu-mestre-mandar. Mas é bem provável que jamais passasse para a posteridade como um compositor genial (e genioso) cujas obras da maturidade, fora dos salões da nobreza, ainda assomam, sublimes, à porta do século XXI nos causando maravilhamento.

O primeiro parágrafo desse texto é um resumo do primeiro parágrafo do pequeno livro de Norbert Elias, Mozart - Sociologia de um Gênio, de leitura agradável e totalmente recomendável para entender mais sobre criatividade, música e sociedade.


Comentários

Creio que Mozart, de fato, não alcançou maturidade artística. Era um gênio incrível, demonstrando isso através de composições que demonstram um domínio e controle absoluto sobre o que estava fazendo, mas musicalmente continou muitas vezes sendo um gênio infantilizado (e faço esforço para não ser influenciado pelo ótimo filme Amadeus). Vislumbres do potencial que ele possuia se percebem em alguns trechos de ópera e, acima de tudo, através da sua obra prima, o Requiem. Eu lamento profundamente por não termos conhecido um Mozart maduro, pois creio que teria sido um dos maiores, quem sabe até o maior.
forte abraço
Shalom
joêzer disse…
é verdade. gosto principalmente das obras que mozart compôs em sua maturidade etária (don giovanni, a flauta, o réquiem, as últimas sinfonias). se ele pudesse ter vivido com a autonomia artística e econômica de Beethoven, quão maior ele poderia ter sido!
Anônimo disse…
treinado analisada arthur exibam quantidade alexandra movimentam depave seletivo propício
Milton Ribeiro disse…
Excelente!

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