O escritor José Roberto Torero "descobriu" fragmentos de um jornal grego e transcreveu inventando o relato de uma partida de futebol disputada em 29 de abril de 312 a.C., desde sempre, a mais clássica de todos os tempos:
O clássico dos clássicos
A final do campeonato deste ano entre os times do Liceu e da Academia foi confusa. Mal começou a partida e os acadêmicos atacaram: Sócrates tocou a esfera para Platão, e este rapidamente devolveu para Pitágoras, que a devolveu para Sócrates, com que o objeto desenhou um belo triângulo escaleno. Então, Sócrates dominou a esfera, girou seu corpo e disparou um petardo contra o arco adversário.
O goleiro do Liceu, Aristóteles, apenas pôde assistir à trajetória do bólido, que bateu na haste superior - à qual os escravos chamam de travessão - e caiu sobre a linha. O problema é que a esfera caiu numa poça d'água, ficando metade para dentro e metade para fora. Imediatamente os jogadores formaram uma roda em torno da esfera e teve início uma emocionante discussão:
"Não poderemos contar esse ponto", disse o arqueiro Aristóteles. "Só meia esfera está adiante da linha e, logicamente, uma metade não pode ser uma totalidade."
Platão rebateu: "Com o devido respeito, brilhante, Aristóteles, não há fração que não contenha parte do todo. Sendo assim, o todo, ao menos em parte, está adiante da linha. Isso nos leva a admitir, ao menos conceitualmente, a existência desse ponto."
"São sábios os argumentos de Platão", secundou Epicuro, lateral esquerdo do Liceu, "mas a parte não contém o espírito do todo, tanto que, se cortarmos o dedo de um homem, ele cairá ao chão, deixando de cumprir suas funções naturais. Daí, concluo que a alma está no todo, mas não na parte, com o que não podemos validar o gol."
"Pobre é a discussão que fica sem o pensamento de Epicuro", disse Zenon, túnica 10 da Academia, "porém a animação, no reino inanimado, não se dá por ligação de veias, mas por prolongamento da essência. Logo, se partimos ao meio uma pedra, uma gota d'água ou a esfera em questão, as duas partes terão idênticas qualidades, o que nos leva a considerar esse ponto como legítimo."
E assim a discussão arrastou-se por uma hora. Nas arquibancadas, os acadêmicos e liceístas vibravam a cada argumento.
Contudo, Beócio, o tosco zagueiro da Academia, irritado com aquela demora, deu um tremendo chute na bola, mandando-a definitivamente para dentro do arco adversário. Como a esfera ainda estava em jogo, o juiz Demócrito não teve outra alternativa a não ser validar o tento.
Aristóteles, irado com a atitude antifilosófica de Beócio, não quis mais argumentar e deu-lhe um soco. Depois, Platão chutou Aristóteles, Epicuro mordeu Sócrates, Zenon esmurrou Pitágoras e logo começou uma gigantesca luta, com todos os atletas agredindo-se mutuamente.
Definitivamente, o futebol não é o esporte da razão.
Do livro de crônicas sobre futebol (Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso), de José Roberto Torero, que reproduzo aqui nesses tempos de amor e ódio ao futebol e no futebol.
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