Num dia de sábado feliz, amigos estiveram em minha choupana para um bate-papo acompanhado de almoço. O inevitável álbum de família foi descoberto e seguiu-se o tradicional “recordar é viver”. Entre uma desculpa e outra que apresentei sobre a caboquice (caipirice, em língua amazônica) de minhas tenras caras e bocas, revi uma foto que me chamou a atenção: eu, de aniversariante de 7 anos posando para o papai, para a mamãe, mais uma foto para a titia que tem uma sensacional máquina fotográfica descartável Love, outra foto com a bola, com o helicóptero e, o retrato de que falei, com uma revista Nosso Amiguinho.
Você tem uma foto de criança em que você está lendo um livro? Acho que isso explica meus momentos de devoção aos livros e o súbito esquecimento da vida que passava do lado.
Depois fui lembrando de que eu fuçava livros e revistas na casa de minha avó, que tinha de ralhar (sim, naquele tempo se ralhava) comigo dizendo: “Larga esse livro e vai brincar com teus primos na rua, ô criatura”. Só então eu saía.
Fui adquirindo um respeito majestático pelos livros. Aprendi (na revista Nosso Amiguinho) que não se devia largar o livro aberto no sofá nem amassar suas páginas. E também sempre lavar as mãos antes de fazer uma refeição ou abrir um livro. Se bem que, na primeira situação, não raro me ocorria um lapso de memória.
Quando entro na biblioteca pública de Curitiba, sinto um misto de reverência e conforto. Reverência pelos autores clássicos (aprendi a respeitar os mais velhos) e não tão clássicos que estão ali a espera de uma conversa amistosa ou de um diálogo perturbador. Conforto por estar na presença de tantos amigos-autores hospitaleiros (alguns nem tanto).
É assim que passeio pela biblioteca de infinitas galerias hexagonais do conto de Jorge Luis Borges, em que "a cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco prateleiras; cada prateleira contém trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro tem quatrocentas e dez páginas; cada página, quarenta linhas; cada linha, umas oitenta letras de cor negra".
Na adolescência, se gosta de literatura de entretenimento. Hormônios e neurônios travam um conflito desigual e a mente prefere aquilo que fala ao coração. Definitivamente, não é hora (salvo as exceções de honra) para dramas existenciais, contos filosóficos e discussões epistemológicas. Essas maravilhas do aborrecimento ficam para mais tarde, quando a poeira hormonal já assentou e a gente começa a encontrar personagens cujos sentimentos e vontades são parecidos com os nossos (ou vice-versa).
Hoje tenho menos paciência para a ficção. Fiquei sério demais? Na verdade, tenho dedicado meu tempo a ensaios sociológicos, teológicos e culturais. Parece chato, mas não é. Nem é presunção de erudição. Fujo disso. Escolho autores que escrevem verdades com a fluidez da boa ficção e escritores que escrevem ficção como se dissessem as maiores verdades. Ando muito seletivo (é a bendita idade?), mas não abomino o romance, a comédia e a tragédia. Não queimo livros porque não gosto deles. Aliás, desconfie de gente que queima livros; homens que queimam livros, queimam pessoas.
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