José Saramago foi um artífice da palavra dos últimos 30 anos. Se as convicções de um homem espalham-se como pegadas pela sua obra, é possível enxergar o homem José nas letras de Saramago: seu comunismo retórico, seu ateísmo ortodoxo, seu humanismo ferrenho.
Saramago polarizava os debates: para os cristãos, ele era demasiadamente ateu para ser gênio; para os ateus, ele era gênio inclusive porque não era cristão. Para os cristãos mais liberais, sua estética desculpava sua ética; para os ateus neoliberais, sua gramática não desculpava seu comunismo.
Há quem ache exagerado o foco dos crentes ao Saramago ateu em detrimento do Saramago escritor. Acontece que o autor português fazia questão de destacar nos livros seu anticlericalismo e, sobretudo, suas ideias anti-Deus. De Memorial do Convento a Evangelho segundo Jesus Cristo e chegando a Caim: no pensamento de Saramago, Deus é um obstáculo à liberdade humana e as igrejas são lideradas por gente inescrupulosa e frequentadas por gente cega. Por outro lado, em Ensaio sobre a Cegueira perpassa uma espiritualidade transformadora, ainda que seja uma espiritualidade humanista. Então, como não falar dessa faceta tão marcante do genial escritor?
Em suas concorridas entrevistas, desancava a Igreja Católica e se mostrava estupefato com as atitudes do “Deus do Velho Testamento”. Tinha mais reprimendas a Deus do que a Fidel Castro.
Podemos concordar ou não com as convicções de Saramago. Não podemos é ocultar ou omitir a ética do homem em nome da estética do escritor. Afinal, eles eram a mesma pessoa.
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Aqui, um conterrâneo de Saramago defende o escritor num breve debate comigo (na seção comentários da postagem José Saramago, sentimental e hormonauta)
E aqui, um conterrâneo de Saramago não toma o partido do escritor.
foto daqui.
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