Pular para o conteúdo principal

telenovela, medo e a religião dos outros

O site exercitouniversal.com.br, criado por adeptos da Igreja Universal, lançou uma campanha pela internet contra a novela da Globo “Salve Jorge”. Segundo o site, essa novela promove a adoração a Ogum, entidade espiritual que, no sincretismo católico, representa São Jorge. Por isso, os evangélicos devem boicotar a novela global. A campanha também agregou imagens com o slogan "Queima o Jorge".

Sem querer perder a audiência da fatia evangélica que assiste suas novelas, a Rede Globo afirma que a novela não vai enfocar as religiões afro-brasileiras ou o catolicismo, mas vai somente utilizar na trama o mito do guerreiro Jorge da Capadócia.

A semana de estreia da novela global marca também a reestreia da minissérie “Rei Davi”, na Rede Record, a TV do bispo Macedo. A contrapropaganda do site neopentecostal é mera coincidência?


Há muitos motivos para não assistir a telenovelas. Mas não assistir por causa do seu título é crer num mundo mágico que não tem nada a ver com a atitude racional do cristão. O cristão tem medo de fantasmas, é assombrado por mau olhado, encosto, simpatia, vodu, despacho? Só se for aquele crente que não canta o “rá-tim-bum” ao final do Parabéns a Você porque acha que é uma senha que atrai o diabo [a expressão “rá-tim-bum” é a onomatopeia do final das músicas das bandas e fanfarras do começo do século XX]. Ou então é aquele que compra toalha abençoada com o suor de tele-exorcistas!  

Três questões me chamam a atenção na campanha que pede o boicote dos evangélicos à novela “Salve Jorge”:

1 – A novela anterior, como de praxe nas novelas, exibia violência, assassinato, traição, sequestro e, segundo os jornais, teve picos de audiência quando um marido bateu na esposa que o traíra por vários anos. Os espectadores achavam justa a agressão física contra a mulher. 
Alguém lembra de uma campanha evangélica de tamanha repercussão contra a novela “Avenida Brasil”? Talvez isso queira dizer que assistir noite após noite o deprimente espetáculo da maldade glamourizada é algo aceitável para muitos evangélicos. Porém, se o título de uma novela exibir uma saudação típica de outra religião, aí assim, o evangélico não deve assistir. Vai entender...

2 - O site dos fiéis da Universal assegura que "com a chegada de outro espírito [Ogum], o Espírito de Deus se ausentará". Nesse sentido, Deus é que sai correndo quando outros supostos espíritos se aproximam? Não seria exatamente o contrário?

3 – Uma das imagens da campanha que pede o boicote diz “Queima o Jorge”. Eles querem dizer: queima o santo guerreiro dos católicos? Se for assim, esse é o tipo de preconceito que leva muita gente a satirizar e ofender a fé muçulmana. Pedir a fogueira para a religião dos outros revela o mesmo tipo de rancor e ódio que levou Bin Laden a explodir as Torres Gêmeas. E desse tipo de crente, que não tolera a religião alheia, eu confesso que tenho medo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n