O que há de novo debaixo do sol, ou pelo menos debaixo do teto do ônibus? Gente, muita gente, cruzando ruas e calçadas, esperando no ponto dos coletivos ou circulando pelos corredores dos shoppings com fones nos ouvidos. Cada um está com seu aparelhinho tocando seu download preferido, sem olhar nem conversar com ninguém. Não que antes conversassem. Ao contrário, nos coletivos o silêncio era constrangedor (ou então se suportava resignadamente a conversa dos outros). É que agora está cada um no seu quadrado, ou melhor, cada um no seu mundo particular e musical. Claro que, na primeira consulta ao médico, essa democratização tecnológica não poderia ir muito longe, sendo uma das conseqüências a ocorrência de um insistente zumbido nos ouvidos.
Como para quem sofre com zumbido auditivo não há nada pior que o silêncio, que é quando o zumbido se destaca na paisagem sonora, então se põem de volta os fones num interminável ciclo de auto-ensurdecimento. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 20% no número de jovens menores de 20 anos atendidos pelo serviço do Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido (sim, esse grupo existe), da Faculdade de Medicina da USP. Das 31 pessoas cadastradas no ambulatório com problemas causados por exposição a ruído, 18 são adolescentes.
A fonoaudióloga Ieda Russo (em matéria do Estadão de 3 de agosto) denuncia os malefícios de uma exposição prolongada a sons com intensidade superior a 90 decibéis. Ela também nota que a exposição dos adolescente a sons e ruídos mais intensos e prolongados estão provocando uma redução da sensibilidade auditiva. Em testes recentes, descobriu-se que determinado grupo de jovens só detectavam sons acima de 20 decibéis. Assim, eles não poderiam mais escutar o bucólico e romântico som do vento nas flores, já que essa carícia da brisa na flor não ultrapassa os 10 decibéis. Se bem que essas criaturas estão pouco se importando com essas romantices quando é possível ouvir o último hit do NXZero jorrando dentro do canal auricular (Para quem achou parecido, NXZero não é uma nova série de celular e o termo “último” tem o sentido de “o mais recente, infelizmente”).
Há uma sugestão de médicos especialistas para os fabricantes de tocadores de mp3: reduzir o volume máximo do inevitável aparelhinho, que hoje alcança a intensidade de uma britadeira (= 120 decibéis). Se os fabricantes não atenderem o a sugestão, é porque estão fazendo ouvido de mercador. Ou, mais provável, estão com os iPods ligados com volume de moto-serra. E se você ainda é um sem-iPod (vale também para os sem-tocador-de-mp3 ou sem-celulares-musicais), aproxime-se de alguns dos usuários mais dispostos e você poderá partilhar do som que ouvem.
Pelo ouvir da carruagem, o Ministério da Saúde terá que advertir os usuários a que escutem suas músicas respeitando os saudáveis limites da moderação. Daí espalham-se policiais portando uma gravação do som do vento tangendo a flor. Se o indivíduo não conseguir escutar pelo menos os tais 10 decibéis, restará apreender o aparelho causador de surdez progressiva e recolher o elemento escutante à delegacia deixando-o o mais próximo possível das sirenes que é pra ele ouvir o que é bom pra tosse. Ou para os tímpanos.
Outra opção menos drástica: inserir uma bula na caixa dos aparelhos. Ali poderão constar a posologia, a profilaxia e as contra-indicações: recomendações como ouvir a música na metade do volume, utilizar modelos de fone que cubram a orelha para não enfiar o som direto no pobre do canal auditivo, fazer pausas para o ouvido respirar, diminuir o volume se as pessoas ao redor ouvem a música que sai dos fones.
E assim caminha humanidade. Aliás, caminha ouvindo alguma coisa, até porque para vencer o trajeto casa-trabalho-casa dentro de trens ou ônibus lotados há que se reconhecer o poder que um iPod têm de relativizar o tempo. Sem perceber, aprende-se também uma das virtudes da música sabiamente praticada desde que harpistas espantavam a lentidão das distâncias pré-modernas: música encurta viagem.
O título anterior desse texto ('O ouvido absoluto e surdo') foi modificado. Leia também aqui no blog:
Everybody loves Zeca Pagodinho
Everybody loves Ricardo Teixeira
Como para quem sofre com zumbido auditivo não há nada pior que o silêncio, que é quando o zumbido se destaca na paisagem sonora, então se põem de volta os fones num interminável ciclo de auto-ensurdecimento. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 20% no número de jovens menores de 20 anos atendidos pelo serviço do Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido (sim, esse grupo existe), da Faculdade de Medicina da USP. Das 31 pessoas cadastradas no ambulatório com problemas causados por exposição a ruído, 18 são adolescentes.
A fonoaudióloga Ieda Russo (em matéria do Estadão de 3 de agosto) denuncia os malefícios de uma exposição prolongada a sons com intensidade superior a 90 decibéis. Ela também nota que a exposição dos adolescente a sons e ruídos mais intensos e prolongados estão provocando uma redução da sensibilidade auditiva. Em testes recentes, descobriu-se que determinado grupo de jovens só detectavam sons acima de 20 decibéis. Assim, eles não poderiam mais escutar o bucólico e romântico som do vento nas flores, já que essa carícia da brisa na flor não ultrapassa os 10 decibéis. Se bem que essas criaturas estão pouco se importando com essas romantices quando é possível ouvir o último hit do NXZero jorrando dentro do canal auricular (Para quem achou parecido, NXZero não é uma nova série de celular e o termo “último” tem o sentido de “o mais recente, infelizmente”).
Há uma sugestão de médicos especialistas para os fabricantes de tocadores de mp3: reduzir o volume máximo do inevitável aparelhinho, que hoje alcança a intensidade de uma britadeira (= 120 decibéis). Se os fabricantes não atenderem o a sugestão, é porque estão fazendo ouvido de mercador. Ou, mais provável, estão com os iPods ligados com volume de moto-serra. E se você ainda é um sem-iPod (vale também para os sem-tocador-de-mp3 ou sem-celulares-musicais), aproxime-se de alguns dos usuários mais dispostos e você poderá partilhar do som que ouvem.
Pelo ouvir da carruagem, o Ministério da Saúde terá que advertir os usuários a que escutem suas músicas respeitando os saudáveis limites da moderação. Daí espalham-se policiais portando uma gravação do som do vento tangendo a flor. Se o indivíduo não conseguir escutar pelo menos os tais 10 decibéis, restará apreender o aparelho causador de surdez progressiva e recolher o elemento escutante à delegacia deixando-o o mais próximo possível das sirenes que é pra ele ouvir o que é bom pra tosse. Ou para os tímpanos.
Outra opção menos drástica: inserir uma bula na caixa dos aparelhos. Ali poderão constar a posologia, a profilaxia e as contra-indicações: recomendações como ouvir a música na metade do volume, utilizar modelos de fone que cubram a orelha para não enfiar o som direto no pobre do canal auditivo, fazer pausas para o ouvido respirar, diminuir o volume se as pessoas ao redor ouvem a música que sai dos fones.
E assim caminha humanidade. Aliás, caminha ouvindo alguma coisa, até porque para vencer o trajeto casa-trabalho-casa dentro de trens ou ônibus lotados há que se reconhecer o poder que um iPod têm de relativizar o tempo. Sem perceber, aprende-se também uma das virtudes da música sabiamente praticada desde que harpistas espantavam a lentidão das distâncias pré-modernas: música encurta viagem.
O título anterior desse texto ('O ouvido absoluto e surdo') foi modificado. Leia também aqui no blog:
Everybody loves Zeca Pagodinho
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Comentários
o mp3 player é uma maravilha. pena que o arquivo comprimido destrói muita concepção de engenharia de som. e ainda envelhece nossa audição.
procede?
altair
Se puder, compre, pois vale a pena!
Um abraço pra vc!
Michelle