Até os anos 1980, o cinema de animação vivia uma longa fase de príncipes encantados, princesas suspirantes, animais falantes e músicas marcantes. Branca de Neve, Pinóquio, Bambi, Dumbo, A Bela Adormecida e Mogli são personagens da infância de quase todo mundo. Todos inocentemente divertidos. Todos excessivamente fantasiosos.
Houve uma mudança de consciência no final do século XX. A chegada de novas tecnologias de computação gráfica se aliou a ideias arejadas sobre o comportamento dos personagens de animação. A princesa à espera do beijo de um príncipe não fazia mais sentido. Felizmente.
Aí veio a animação Shrek e suas três sequências fazendo uma “dessacralização” da pureza e do heroísmo dos desenhos animados. A série começou subvertendo os chamados contos de fada. Depois, sem o recheio de uma boa história, virou franquia comercial com paródias preguiçosas. De infantil, sobrou pouca coisa.
Shrek dispara suas sátiras e nenhum personagem famoso dos contos infantis resiste à inversão de estereótipos e clichês. Pena que a maioria das crianças que assistiu à série nem conhecia O Gato de Botas, Cinderela ou Pinóquio. As crianças pouco perceberam a paródia e a ironia. Primeiro, por ainda não estarem psicologicamente preparadas para isso. Depois, porque não conheciam as histórias originais. Infelizmente, as crianças estão conhecendo a paródia antes do original.
Nesse barco da razão cínica a Pixar não entra. Ser crítico é se achar superior aos outros? Em Ratatouille, há aprendizado e delicadeza. O personagem do crítico de gastronomia enfrenta sua arrogância e cinismo pessoais e se rende à simplicidade e à humildade.
A família tradicional está sob fogo cruzado? Com Os Incríveis, vemos que não existe mais recompensadora aventura do que a convivência familiar.
O casamento não é mais pra sempre? Up-Altas Aventuras tem os 20 primeiros minutos mais tocantes do cinema dos últimos anos. Sem diálogo, só com uma trilha sonora maravilhosa, vemos um casal se conhecer na infância, tornarem-se namorados na juventude, casarem-se, compartilharem a construção da casa, a perda da dor de um filho, a saúde, a doença, a maturidade, a velhice, a morte. Tudo com uma ternura comovente.
A amizade e o amor são vistos com desconfiança? A série Toy Story não tem vergonha dos bons sentimentos.
A ecologia grita aos quatro ventos? O apelo de Wall-E é silencioso e cativante. A natureza merece cuidado. Mas o apelo é ao amor entre as pessoas. A tecnologia de última geração está ligada à tradição de um cinema humano e fraterno.
O cinema se torna cada dia mais violento, mais sexista, mais cinicamente juvenil. Ainda bem que há filmes em busca da delicadeza perdida.
Tem mais: A mais incrível aventura da família
Comentários
amei o post. belo insight. também acho a Pixar tudo de bom.
forte abraço