1998. O Stade de France nunca esteve tão lotado. Desde a queda da Bastilha não se via tanta gente nas ruas. Nunca antes na história das revoluções uma seleção francesa chegara a uma final de Copa do Mundo. Por isso, até o mais empedernido existencialista e o mais cético descontrucionista acreditavam que o time francês triunfaria napoleonicamente sobre a seleção brasileira. Yes, oui can!
Os apólogos do patrimônio lingüístico francês achavam que a vitória estava prenunciada na simples escalação. Um time com nomes tão sans-culotte como dunga, bebeto, cafu e junior baiano jamais poderia vencer uma seleção de nomes tão plenos de finesse et elegance como Laurent Blanc, Marcel Desailly, Fabian Barthez e, claro, Zinedine Zidane.
Começa o jogo e, logo no primeiro escanteio, Zidane pula e dá com a cabeça na cabeça schwarzeneggeriana de Dunga. A bola escapole para os pés de Ronaldo, que dispara fulminante em direção ao gol francês e marca. Brasil 1 x 0 França.
A França pressiona. Allons enfant. Novo escanteio. A bola atravessa a grande área brasileira e passa direto por cima de Zidane, que estava abaixado ajeitando o meião. Cafu tira a bola da área. A pelota procura os pés de Ronaldinho outra vez. E, mais leve que um dito espirituoso de Voltaire, ele desembesta pelo campo e dribla o meio-campo, o lateral, o zagueiro, o Asterix, o Obelix e chuta: Brasil 2 x 0.
Segundo tempo. A torcida francesa continua a cantar "A Marselhesa". Filósofos do mundo inteiro presentes no estádio estão admirados com a persistência dos franceses. Até agora, apesar da derrota, ninguém se atirou no Sena, ninguém desligou a TV e foi ler Sartre. Os primeiros 45 foram dolorosos, mas já passaram e não adianta ficar em busca do primeiro tempo perdido.
O juiz apita. Pênalti contra a França. As câmeras mostram Zidane desferindo uma cabeçada no peito de Junior Baiano. Zidane é expulso, Ronaldo cobra o pênalti, a França perde, as guilhotinas começam a ser afiadas.
Depois daquele jogo, Zidane abandonou os campos, passou a beber, engordou e só se vê sua triste e rotunda figura em jogos beneficentes.
“Zidane, acorda, acorda”. “Oui, d’accord, d’accord”. “Você está batendo a cabeça na poltrona da frente”. “Eu estava sonhando. Terrible. Terrible”. Na hora em que ônibus chega ao estádio, Zidane lembra que estão em 2006 e vão jogar de novo contra o Brasil em uma Copa do Mundo. Ele levanta, passa a mão na barriga lisa e sorri.
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