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Fé cega sem futebol afiado

Jogos decisivos de futebol cansam de mostrar imagens de jogadores com as mãos para o alto. Alguns estão agradecendo. Outros, se perguntando por que, santo Deus, não me abençoaste agora e na hora do meu gol. Nas arquibancadas, o mesmo torcedor que despejou xingamentos impublicáveis para nossos ouvidos de Jane Austen, é capaz de, no instante da vitória, se tornar um cordeirinho de lábios puros e gratos ao Pai.

Dizia-se que, se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano só terminava empatado. Com a conversão fenomenal de jogadores ao cristianismo e a continuação da petição por milagres e bençãos, entende-se, então, que o campeonato brasileiro de 2008 vá terminar com 16 campeões. Sim, porque quatro do total de 20 clubes cairão para o limbo da segunda divisão onde rangerão dentes e canelas por muito tempo. Se teu time é um destes, não temas, nem te espantes, porque o lago de fogo da Série B não é eterno. Taí o Corinthians, recém-alçado ao paraíso da primeira divisão.

Porém, esse cenário de inferno-limbo-paraíso é uma metáfora muito católica para a maioria dos novos conversos do mundo da bola, que talvez não leram Dante e são evangélicos (Evangélico é a forma genérica que se refere à pentecostais e protestantes, apesar das muitas diferenças doutrinárias e comportamentais entre eles). Perdoada essa licença conceitual, adiante. Católicos seguem em romaria às capelas para pedir que os santos entrem em campo com eles, evangélicos vão aos cultos pedir a unção sobre suas luvas e chuteiras. Há quem, por via das dúvidas, se divida entre dois senhores e ainda agende uma consulta em tenda de astrólogo.

Os críticos vão dizer que Deus tem mais o que fazer do que ficar ajeitando pé torto de artilheiro ou esticando braço de goleiro. Para os atletas de Cristo, entretanto, Deus é fiel e justo no momento de honrar os que Lhe honram.

Talvez não haja diferença entre o taxista que ora antes de encarar um dia inteiro à espera de passageiros, o vendedor de livros que roga que Deus abra portas e corações, o empresário que pede pela abertura de bons negócios e o jogador que suplica pela benção quando adentra o estádio.

A chuva cai sobre justos e injustos, mas, ou o goleiro defende ou o atacante marca seu tento. Somente um dos dois sairá vitorioso dali. Para uns, será uma tarde de divina comédia. Para outros, uma tragédia grega. Aconteça o que acontecer, a reação do torcedor comum é de proporções bíblicas. A diferença pode estar em porque pedir e como receber a resposta.

Uns tratam a fé como um amuleto. Técnicos carregam seus terços nos bolsos e os apertam na hora do sufoco. Boleiros vestem uma camisa com dizeres do tipo “100% Jesus”, mas treinaram pouco durante a semana. É como a estudante agoniada no vestibular que implora pelas respostas certas sem ter estudado o suficiente.

Esse domingo de decisões mostrará multidões ora aflitas ora felizes, esquecidas das contas e dívidas, dos maus patrões e dos maus funcionários. Haverá zagueiros e atacantes de fé tão cega quanto seus chutes e esbarrões. Porque esse é o atual retrato do futebol brasileiro: muita emoção, mas pouca técnica; de fé cega sem futebol afiado.

E se Deus estará em campo? Ora, sabeis dos afazeres e do poder de Deus. Torcedores, não invoquem Seu nome em vão para um campeonato que maltratou a bola. Atletas, se não sabem, fiquem hoje sabendo que Deus não joga dados e nem bate pênaltis.

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